Grupo de Economia da Energia

O futuro dos biocombustíveis XII – As novas empresas da bioindústria e o Brasil: comparando Amyris, Solazyme e LS9 *

In biocombustíveis on 14/05/2012 at 00:15

Por José Vitor Bomtempo e Flávia Chaves Alves

Os resultados do Plano Conjunto BNDES-Finep de Apoio à Inovação Tecnológica Industrial dos Setores Sucroenergético e Sucroquímico (PAISS)  são muito interessantes para se compreender o processo de desenvolvimento da bioindústria no Brasil. Um dos pontos que saltam aos olhos ao consultar a relação das empresas selecionadas é a presença de start ups americanas que estão realizando ou pretendem realizar investimentos no Brasil para desenvolver seus projetos de inovação. Esse fenômeno foi mencionado na nona postagem dessa série. Apresentamos hoje uma reflexão inicial de uma pesquisa em andamento que tem por objetivo entender a natureza desse processo na construção da bioindústria e sua relação com a inovação no Brasil.

Fizemos uma comparação entre três importantes start ups da bioindústria – Amyris, Solazyme e LS9 – que estão desenvolvendo parte de seus projetos de inovação no Brasil e tiveram seus planos de negócios selecionados pelo PAISS.

A comparação foi desenvolvida utilizando um quadro analítico que considera três aspectos das decisões estratégicas de um projeto inovador: focus, modus e locus. Isto quer dizer que procuramos mapear que atividades são desenvolvidas (focus), de que modo (modus) e em que local (locus)[i].

Consideramos os seguintes focus: pesquisa básica, desenvolvimento tecnológico, produção, desenvolvimento comercial e de aplicações, e captação de fundos e investidores. Cada um desses focus de atuação foi pesquisado para identificar os modus e os locus de realização das atividades para cada empresa.

Apresentamos a seguir cada uma das empresas estudadas.

Amyris

Embora já tenhamos apresentado a Amyris em postagens anteriores, voltamos a essas informações aqui apenas para facilitar a comparação com as demais empresas.

Amyris é uma start-up de biotecnologia criada em 2003 para produzir artemisinina, uma droga para o tratamento da malária. Com a mesma base de conhecimento utilizada na biotecnologia médico-farmacêutica, Amyris decidiu entrar na bioindústria para produzir biocombustíveis e outros bioprodutos. Um processo inovador de fermentação foi desenvolvido utilizando biologia sintética. Uma levedura foi modificada em seu metabolismo para produzir moléculas de hidrocarboneto a partir de açúcares (uma família de isoprenóides com 5, 10 e 15 carbonos). O farneseno  – de 15 carbonos – é até agora o mais conhecido. Quando hidrogenado, produz um diesel de alta qualidade.

Várias aplicações podem ser desenvolvidas a partir dessa família de isoprenóides por meio de uma finalização química específica: elastômeros, lubrificantes, produtos cosméticos, combustível de aviação, perfumes, etc. Amyris considera os isoprenóides uma espécie de plataforma para explorar diferentes mercados potenciais, de combustíveis a especialidades.

Amyris desenvolveu-se inicialmente a partir de fundos de capital de risco (Vinod Khosla e outros) e agências governamentais americanas, como o Departamento de Energia (DOE). Em 2010, aempresa fez o seu IPO (Initial Public Offering), arrecadando US$ 85 milhões. Em 2011, a Total tornou-se acionista da empresa, com participação de 22%, correspondente a US$ 135 milhões.

Amyris foi a primeira de uma série de empresas a vir ao Brasil para desenvolver o seu projeto inovador. Um centro de pesquisa na região de Campinas foi construído, onde cerca de 50 pessoas estão empregadas. Foram construídas uma unidade piloto e uma unidade de demonstração.

Em 2011, a empresa começou a produção em escala semi-comercial, na forma de produção contratada (Biomin), para o mercado de cosméticos. Duas outras unidades de maior porte estão em construção: uma junto à usina Paraíso (100% Amyris) e outra junto à usina São Martinho (joint venture Amyris-São Martinho). O diesel da Amyris – diesel de cana, como tem sido chamado – tem sido usado experimentalmente em ônibus urbanos no Rio de Janeiro e São Paulo.

Na tentativa de ampliar as oportunidades de inovação e obter os ativos complementares e competências que lhe faltam, Amyris tem experimentado diversos modelos de negócios. Muitos modelos diferentes foram usados para estruturar a produção em escala e as relações com segmentos da cadeia a jusante. Amyris tem mostrado uma abordagem ambiciosa que visa à construção de uma posição competitiva como pioneira na bioeconomia

Solazyme

Solazyme é uma start-up de biotecnologia fundada em 2003, com sede na Califórnia, EUA, onde as atividades de pesquisa são desenvolvidas. A empresa foi pioneira de uma plataforma de biotecnologia industrial que transforma açúcares em óleos utilizando microalgas como biocatalisador. A empresa destaca o que julga serem três pontos fortes da sua tecnologia: as microalgas proprietárias crescem no escuro, recebendo energia a partir dos açúcares de plantas fotossintéticas que as alimentam; o processo é flexível no que diz respeito às matérias primas; o processo é compatível com equipamentos de fermentação em escala comercial amplamente disponíveis. Solazyme identifica duas competências essenciais que estariam na base de suas vantagens competiivas: (i) identificação, isolamento e otimização de cepas de microalgas para alcançar altas densidades celulares, alto rendimento de conversão de açúcar e altos índices de produtividade em comparação com outras alternativas, (ii) adaptação do óleo produzido para atender às necessidades específicas do mercado.

Apesar de uma carteira diversificada de produtos poder ser alcançada através de seu processo, a empresa está orientada inicialmente para três mercados-alvo: produtos químicos e combustíveis, nutrição e produtos para pele e cuidados pessoais. De acordo com a Solazyme, os óleos produzidos são substitutos drop-in, compatíveis com a produção refino, acabamento e infra-estrutura de distribuição existentes nos mercados-alvo.

Desde 2007, Solazyme têm operado em equipamento de fermentação de padrão industrial (75.000 litros) através de produção contratada. Em 2011, aempresa comprou uma fábrica em Peoria, Illinois, que contém múltiplos fermentadores de 128.000 litros, com capacidade de produção anual esperada de óleo de mais de 2 milhões de litros. A fermentação comercial de ácido algurônico, usado em ingredientes para produtos para pele e cuidado pessoal, começou em 2012 nesta fábrica.

No que diz respeito a produtos químicos e combustíveis, a empresa está negociando com vários parceiros potenciais de matérias-primas na América Latina e Estados Unidos para co-localizar a produção de óleo em suas fábricas. Em dezembro de 2010, Solazyme assinou uma carta de intenções com a Bunge Limited, uma das maiores empresas de processamento de cana no Brasil, para formar uma joint venture e co-localizar a produção de óleo em uma ou mais de suas usinas. Em agosto de 2011, as mesmas empresas assinaram também um acordo visando a constituição de uma Joint Venture através do qual Bunge e Solazyme concordaram em co-financiar a engenharia da planta inicial, e colaborar no planejamento comercial. Em abril de 2012 a joint venture Solazyme Bunge para a construção da planta de escala comercial o Brasil foi oficialmente anunciada

No mercado-alvo de nutrição, Solazyme formou, em 2010, uma joint venture 50/50 com a empresa francesa Roquette, uma das maiores empresas globais de amido e seus derivados, com o objetivo de desenvolver conjuntamente a produção e a comercialização de produtos de nutrição em todo o mundo.

Solazyme tem captado recursos de diversas fontes para financiar as atividades de P&D. Podem ser citadas Comissão de Energia da Califórnia (CEC), DOE e US Navy (para desenvolver e fornecer combustíveis para uso militar).

LS9

LS9 é uma start-up de biotecnologia fundada em 2005, com sede em San Francisco, EUA, local onde as atividades de pesquisa são desenvolvidas. A base de conhecimento empresa é a biologia sintética. Foi desenvolvido um processo de fermentação em uma única etapa, utilizando a bacteria E. Coli. A empresa apresenta o processo como flexível em relação às matérias-primas de biomassa vegetal. O processo gera uma variedade de produtos químicos e biocombustíveis avançados drop-in. A empresa tem como investidores Flagship Ventures, Khosla Ventures, Lightspeed Venture Partners, e Chevron Technology Ventures.

Existe uma planta-piloto operando desde agosto de 2008, com capacidade de produção de 1.000 litros. Existe ainda uma planta de demonstração na Flórida, com capacidade de 4.000 litros, com planos de expansão para 135.000 litros. A empresa colabora com o Instituto BioEnergy da Universidade da Califórnia, Berkeley, em atividades de pesquisa e desenvolvimento. Uma pequena produção contratada com vistas a testes de produto foi estabelecida nos EUA.

LS9 estabeleceu parcerias com quatro empresas: Procter & Gamble, Chevron, Virdia e Man Latin-American. Cada parceria é focada na utilização da plataforma tecnológica da LS9 para um mercado específico. Os dois acordos de desenvolvimento conjunto e comercialização com a Procter & Gamble pretendem gerar produtos químicos chave utilizados na carteira da P & G. No caso da Chevron, o interesse é o desenvolvimento de combustíveis, incluindo drop-in diesel. Virdia é um parceiro para desenvolver tecnologias de açúcar de segunda geração, utilizando  biomassa celulósica como matéria-prima, visando assegurar a posição da LS9 em relação às fontes de açúcares. LS9 e Virdia receberam um financiamento conjunto de US$ 9 milhões do Departamento de Energia (DOE) para melhorar e demonstrar o processo integrado para converter fontes de biomassa em açúcares fermentáveis (foco da Virdia) e em diesel e outros produtos combustíveis e químicos (foco da LS9). A parceria mostra que a LS9 pretende garantir o fornecimento de matéria-prima compatível com o conceito sustentável de sua plataforma tecnológica. No que diz respeito à Man Latin América, a meta da parceria é testar o combustível da LS9 para motores diesel no Brasil. Neste último caso, não parece existir qualquer evidência de desenvolvimento conjunto de produtos ou de tecnologia.

Em 2011, LS9 abriu um escritório em São Paulo e anunciou que irá estabelecer um centro de tecnologia. Em março de 2012, a empresa ganhou o Prêmio de Tecnologia Sustentável de Biocombustíveis, promovido pela World Biofuels Markets.

Comparando os 3 casos

Amyris, LS9 e Solazyme concentram suas atividades de pesquisa básica em seu país de origem, no caso os EUA. No entanto, no que diz respeito às atividades de desenvolvimento tecnológico, é possível notar diferenças nas abordagens. Amyris já estabeleceu planta piloto e instalações de demonstração no Brasil e LS9 anunciou futuros planos para unidades semelhantes no país. Solazyme, por outro lado, não mostra intenção de internacionalizar suas atividades de desenvolvimento tecnológico. Um ponto interessante a ser destacado é que o Brasil é o único lugar, além de EUA, onde as atividades de desenvolvimento tecnológico estão localizadas para a Amyris e a LS9. As demais atividades de produção e desenvolvimento comercial apresentam um perfil diferente e mais variado de internacionalização.

No que diz respeito à produção, um padrão de concentração de instalações de grande escala no Brasil pode ser notado. O modelo de produção contratada utilizado pelas três empresas é uma maneira de atingir o mercado mais rapidamente. É provavelmente um modus de curto prazo que vai desaparecer assim que grandes instalações estiverem em funcionamento. No caso da Amyris, as produções contratadas localizadas no Brasil, EUA e Espanha são plantas em escalas relativamente pequenas visando testes de mercado (mix de diesel no Rio e São Paulo) ou mercados de alto valor (esqualeno para cosmésticos). Amyris está à frente das outras na formação de joint ventures para a produção, com forte presença no Brasil. Solazyme tem modus e locus diferentes, de acordo com o mercado-alvo a ser atendido. A produção de ácido algurônico está nos EUA,  a  de produtos nutricionais na França e a produção de óleos em escala no Brasil.

As três empresas estudadas têm o apoio financeiro do capital de risco americano e estão participando de um programa de financiamento lançado por instituições brasileiras BNDES e FINEP em 2011 para o desenvolvimento de produtos e processos relacionados ao bagaço de cana e outros produtos derivados do açúcar.  Apenas Amyris tem uma sócia, Total, mostrando um modus diversificado de arrecadação de fundos. Amyris e Solazyme fizeram IPO.

As atividades de desenvolvimento comercial e de aplicações apresentam um conjunto mais diversificado de locus, embora a dimensão modus esteja principalmente relacionada com joint venture. Amyris e Solazyme tem uma ampla gama de parceiros em diferentes países, enquanto LS9 tem um perfil diferente. É a única que tem parceria com uma empresa que trabalha com desenvolvimento de tecnologia de açúcar a partir de biomassa celulósica, Virdia, o que mostra um compromisso para assegurar fornecimento de matéria-prima. A parceria existente com a Man, refere-se apenas a testes de diesel, não mostrando nenhum esforço direto de desenvolvimento tecnológico no Brasil. Amyris tem um portfólio mais diversificado de parceiros para o desenvolvimento de aplicações comerciais. No Brasil, a parceria com a Cosan está ligada ao negócio de lubrificantes. A empresa também está envolvida com combustível de aviação no Brasil, juntamente com duas empresas brasileiras (Embraer e Azul) e com a GE. Embora ambos os produtos estejam relacionados com combustíveis, eles podem ser vistos como produtos de alto valor e maior complexidade de desenvolvimento em relação ao diesel para transporte terrestre.

É possível ver uma abordagem semelhante na dimensão locus, principalmente para a Amyris e a LS9, nas atividades de desenvolvimento tecnológico, produção e financiamento. Na dimensão modus, joint venture aparece como a opção mais comum para a evolução da produção e desenvolvimento comercial e de aplicações para todas as três empresas. O Brasil é o locus para produção em larga escala, relacionada a produtos combustíveis. O desenvolvimento e a produção de produtos de alto valor agregado parecem estar localizados nos EUA e outros países, de acordo com a disponibilidade de parceiros adequados para cada mercado-alvo.

Encaminhando a questão…

O estabelecimento de empresas estrangeiras no Brasil  ainda em etapas de desenvolvimento tecnológico dos processos é um fenômeno novo que deve ser investigado em detalhe. Amyris, Solazyme e LS9 são três das empresas mais inovadoras da biotecnologia industrial com uma entrada muito forte na bioeconomia. Essas empresas deslocaram algumas de suas atividades para o Brasil, a fim de completar o processo de inovação e desenvolver seus negócios.

O Brasil parece ser de interesse como base para a produção industrial. A disponibilidade de cana-de-açúcar – matéria-prima de eleição para os processos bioquímicos – é, de acordo com a visão convencional, a razão última para a vinda dessas empresas. Estudamos o desenvolvimento da Amyris, Solazyme e LS9 e nossas pesquisas sugerem que as razões parecem ir além da disponibilidade de matéria-prima, incluindo também a experiência ampla na fermentação industrial e a facilidade de introdução/teste de novos produtos no país, em particular biocombustíveis. O Brasil parece estar bem posicionado para se tornar um importante centro de produção industrial na bioindústria. Além disso, há evidências de que as atividades de desenvolvimento tecnológico podem ser estabelecidas no país no futuro. No entanto, a pesquisa básica está sempre localizada no país de origem, EUA nos casos estudados, e não há nenhuma indicação de mudança em relação a esse ponto.

Parece-nos que esse movimento traz oportunidades de aprimoramento para a capacitação inovadora brasileira pelo incremento de atividades de nível tecnológico elevado. No entanto, a construção dessas capacidades vai depender não só da abertura das empresas estrangeiras, mas em larga medida, da capacidade de absorção dos participantes do Sistema Nacional de Inovação. Este é um ponto a ser estudado em pesquisas futuras. A proximidade geográfica pode ajudar na existência de spillovers de conhecimento dentro do país, mas outros tipos de proximidade – como a tecnológica e a organizacional – precisam também existir para propiciar a inovação.


[*] Esta postagem é baseada no artigo The geography of knowledge and innovation in the bioeconomy: the moving of American startups to Brazil, preparado por José Vitor Bomtempo, Flávia Chaves Alves e Rafaela Lora Grando para ser apresentado  no Proximity Days, 7th edition, Montreal 21th to 23th May 2012.

[i] Esse quadro analítico foi inspirado no artigo Internationalization, innovation and entrepreneurship: business models for new technology-based firms, Onetti, A., Zucchella, A., Jones, M., McDougall-Covin, P. (2010), Journal of Management and Governance, 1-32.

Postagens relacionadas:

O futuro dos biocombustíveis XI: 2011 – ano 1 da era pós-etanol?

O futuro dos biocombustiveis X: as duas corridas do açúcar

O futuro dos biocombustiveis IX: A diversidade de estratégias e o futuro da bioeconomia – comparando Shell, Braskem e Amyris

O futuro dos biocombustiveis VIII: Os contrastes das estratégias das grandes empresas de petróleo e o futuro da bioeconomia

O futuro dos biocombustiveis VII – qual o papel do Brasil?

O futuro dos biocombustiveis VI: a estratégia da Petrobras

O futuro dos biocombustíveis V: as estratégias de Shell e BP

O futuro dos biocombustíveis IV: a posição brasileira

O futuro dos biocombustíveis III: O processo de inovação que está construindo a indústria do futuro

O futuro dos biocombustíveis II: Por que a indústria de biocombustíveis do futuro será diferente da que conhecemos hoje?

O futuro dos biocombustíveis

Leia outros textos de José Vitor Bomtempo no Blog Infopetro

Para ver/fazer comentários sobre esta postagem, clique no retângulo vermelho abaixo.

Deixar mensagem para O futuro dos biocombustíveis XIX – Encerrando a série e continuando o processo de construção da indústria baseada em biomassa | Blog Infopetro Cancelar resposta