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Financiamento do setor elétrico: novamente um gargalo para o desenvolvimento?

In energia elétrica on 07/04/2014 at 00:15

Por Edmar de Almeida

edmar042014Num país como o Brasil em que a demanda de energia elétrica ainda cresce de forma relativamente rápida, a questão do financiamento dos investimentos necessários para a expansão do setor é crucial. Vale ressaltar que as empresas do setor elétrico normalmente atuam fortemente alavancadas. A característica de longo-prazo de maturação e relativo baixo risco (e rentabilidade) dos projetos elétricos fazem com que a capacidade de investimento das empresas esteja associada à sua capacidade de captar recursos (equity ou dívida) no mercado de capitais. Ou seja, a forma e o custo do financiamento são determinantes para a expansão do setor elétrico.

Historicamente, o Brasil enfrentou grandes dificuldades para garantir fontes seguras e a baixo custo para o financiamento do setor elétrico nacional. Por muitos anos, este financiamento foi bancado por fundos setoriais alimentados por encargos nas tarifas elétricas. Esses fundos eram complementados por empréstimos no mercado internacional com garantias do governo federal.

Porém, a crise financeira do Estado Brasileiro na década de 1980 e as mudanças das prioridades dos gastos públicos na década de 2000 levaram o governo Brasileiro a promover a participação privada em todos os segmentos da cadeia do setor elétrico nacional. Buscou-se então implantar uma regulação setorial que garantisse um ambiente seguro para os investimentos no setor, de forma a atrair o capital privado nacional e internacional. A reforma liberalizante da década de 1990 e a reforma da reforma em 2005 compartilhavam pelo menos um objetivo em comum: garantir um ambiente econômico atrativo para o investimento privado no setor.

A expansão do setor elétrico nacional na última década foi garantida a partir de um modelo de financiamento apoiado num tripé: capital privado, capital próprio das empresas estatais e linhas de crédito de longo prazo do BNDES. Este tripé foi gravemente comprometido com a desestruturação econômica do setor nos últimos dois anos. A capacidade de investimento das empresas estatais se reduziu fortemente com a descapitalização promovida pela violenta redução das tarifas na renovação das concessões. Vale salientar que a entrada de recursos das indenizações está longe de compensar a perda de valor dos ativos do grupo Eletrobrás e a consequente redução da capacidade da empresa para se endividar para investir.

As empresas privadas foram também muito afetadas pelos eventos recentes. A maior percepção de risco regulatório e institucional levou à desvalorização das ações e dos ativos das empresas que atuam no setor. Com esta desvalorização a relação dívida/ativos das empresas tende a se elevar. A redução das tarifas nas futuras revisões está sendo precificada no mercado de capitais. Desta forma, a capacidade de investimento das empresas atuantes no setor também se reduziu de forma importante.

Os vultosos investimentos para expansão do setor passam então a depender da entrada de novos atores e da capacidade do BNDES continuar a disponibilizar financiamento em condições favoráveis. Todos sabemos que esta capacidade depende, por sua vez, do contexto fiscal nacional. Ou seja, num cenário econômico mais difícil, a capacidade do tesouro abastecer o BNDES com recursos para repassar para o setor se reduzirá. Nem as estatais e nem as empresas privadas estarão e condições de dar uma “contribuição extra”.

Um país que precisa dobrar a produção de eletricidade até 2035 não pode perder de vista o modelo de financiamento do setor. Segundo a Agência Internacional de Energia, o Brasil precisa investir cerca de US$ 24 bilhões de dólares por ano até 2020 para garantir o suprimento de energia no país. A Eletrobrás acaba de divulgar seu planejamento estratégico para 2018. A empresa planeja investir R$ 61 bilhões de reais até 2018. Ou seja, cerca de 5 bilhões de dólares por ano apenas. Para fazer este investimento, a empresa estima que deverá contrair dívidas correspondentes a cerca 40% do valor do investimento. Ou seja, podemos concluir que grande parte dos investimentos necessários deverá vir de empresas privadas ou estaduais. Além disto, parcela significativa do que as empresas federais irão investir deverá ser financiada pelo mercado.

Para ficarmos ainda apenas no Grupo Eletrobrás, vale ressaltar que a capacidade da empresa de se alavancar no mercado de capitais reduziu de forma importante. O valor de mercado da empresa caiu em termos nominais cerca de 60% nos últimos 4 anos. Se considerarmos a inflação do período, esta queda é mais expressiva ainda. O prejuízo da empresa nos últimos dois anos acumula o valor de R$13,5 bilhões. Este valor é superior aos investimentos em 2013 que foi de R$11,3 bilhões. Evidentemente que uma deterioração tão dramática da situação financeira da empresa afeta sua capacidade de se endividar para garantir seu plano de investimento.

O BNDES tem tido um papel fundamental para o financiamento do setor, em função do fraco desenvolvimento do mercado privado de dívida de longo-prazo no país. O banco desembolsou cerca de R$ 18 bilhões nos últimos dois anos somente no setor elétrico. Mesmo considerando a manutenção da capacidade de investimentos do BNDES para os próximos anos, o setor precisará atrair muito mais recursos para garantir os R$ 55 bilhões (ou US$ 24 bilhões) de investimentos anuais.

Os números acima deixam muito claro que o Estado brasileiro não tem condições de ser o único responsável pelo investimento e o financiamento da expansão do setor. Na estrutura atual da indústria elétrica nacional, as empresas privadas e o mercado de capitais privado (não BNDES) têm um papel muito importante para o crescimento do setor, ainda que o BNDES tenha uma liderança no financiamento do setor. Estas empresas deverão ser capazes de mobilizar recursos financeiros próprios e de terceiros para garantir o suprimento de energia no Brasil. Para isto, é fundamental reverter a percepção no mercado de que as empresas públicas (e mesmo algumas privadas) se encontram numa trajetória econômica não sustentável.

Neste sentido, é fundamental uma reorientação da atual regulação setorial com vistas à promoção do reequilíbrio econômico do setor. É fundamental também alargar o horizonte da política econômica setorial para resgatar a confiança dos agentes econômicos envolvidos no setor. O alcance do reequilíbrio não será uma tarefa fácil e rápida de se concretizar. Para tanto o primeiro passo seria se buscar uma nova convergência entre o governo e agentes do setor sobre as diretrizes para o processo de reformulação da política setor.

A sustentabilidade econômica do setor não poderá ser obtida sem as seguintes diretrizes:

1 – As tarifas elétricas devem refletir todos os custos setoriais. A dependência de recursos do tesouro para complementar as receitas do setor cria uma grande incerteza econômica. As incertezas associadas com a negociação com o Ministério da Fazenda e o Congresso a cada repasse afetam dramaticamente a percepção de risco dos que emprestam dinheiro ao setor e, por consequência, a capacidade e o custo para o financiamento setorial.

2 – A gestão da operação da segurança do abastecimento deve seguir regras mais previsíveis de forma a se evitar a volatilidade e preços muito elevados no mercado de curto-prazo por longos períodos de tempo. Nos últimos dois anos o PLD se manteve em patamares extremamente elevados por períodos longos de tempo, aumentado de forma dramática a percepção de risco dos que investem no setor, em particular, em projetos de geração.

3 – A discussão sobre política tarifária deve ser mais transparente e racional de forma a que os subsídios tarifários sejam alocados aos segmentos de consumo em que se justificam. Energia barata é fundamental para algumas atividades econômicas e para consumidores de baixa renda. No entanto, energia subsidiada para todos afeta não apenas a capacidade de financiamento do setor e do Estado Nacional, mas também impede a inserção de novas fontes de energia elétrica renováveis mais caras, mas fundamentais para o futuro energético nacional.

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