Grupo de Economia da Energia

Search for “"outros textos de Ronaldo bicalho no Blog Infopetro"”

A tragédia de uma agenda ruim

In energia elétrica on 23/02/2022 at 11:41

Ronaldo Bicalho

Como dizia Mário Henrique Simonsen, “formulado de maneira correta, o problema mais difícil do mundo um dia será resolvido. Formulado de maneira incorreta, o problema mais fácil do mundo jamais será resolvido”.

Ter uma boa agenda é fundamental para resolver os problemas. Uma boa agenda organiza, direciona e seleciona os recursos necessários ao enfrentamento adequado dos problemas, nos aproximando pari passu das soluções, acumulando experiências em um processo de aprendizado fundamental na resolução de questões complexas.

Ao contrário, uma agenda ruim torna mais difícil encontrar as soluções dos problemas. Uma agenda ruim desorganiza, tira o foco e desmobiliza os recursos necessários ao enfrentamento dos problemas reais, nos distanciando das soluções, acumulando erros em um processo de emburrecimento trágico.

O problema fundamental do setor elétrico brasileiro hoje é ter uma agenda ruim. Uma agenda que não só nos afasta do equacionamento das questões reais do setor, mas também desorganiza, desorienta e desestrutura os recursos necessários ao enfrentamento dos efetivos e gigantescos problemas estruturais do setor elétrico brasileiro.

Uma boa agenda seleciona os problemas e as formas de resolvê-los. Então, comecemos por aí. Qual é o problema?

Qual o problema do setor elétrico no mundo hoje?

O problema central do setor elétrico no mundo hoje é a transição energética. É abandonar a matriz elétrica baseada nos combustíveis fósseis e adotar uma nova matriz sustentada pelas novas fontes de energia renováveis (basicamente, solar e eólica). Esse abandono não é movido por forças endógenas ao setor, mas por fatores que se encontram fora dele e se concentram na urgência do enfrentamento do aquecimento global e, portanto, na premência da redução da queima dos combustíveis fósseis.

Dadas as diferenças existentes entre os atributos técnico-econômicos dos combustíveis fósseis e das energias renováveis, a transição de uma matriz fóssil para uma matriz renovável envolve desafios gigantescos de natureza tecnológica, econômica, organizacional, regulatória e político-institucional.

No momento, essa transição é um processo indeterminado e aberto, pleno de riscos, incertezas e tensões.

Continue lendo »

De pipocas, mercados de capacidade e privatização da Eletrobras

In energia elétrica on 14/02/2022 at 11:28

Ronaldo Bicalho

Depois de quase quarenta anos estudando o setor elétrico, eu diria que complexidade é a palavra que melhor define essa atividade econômica essencial para o desenvolvimento e o bem-estar da sociedade.

Dados os atributos técnicos, econômicos, políticos e sociais do produtos energia elétrica e dos processos que a geram, transmitem, distribuem e consomem, não é simples avaliar os impactos das ações/decisões individuais sobre o sofisticado sistema que entrelaça processos, agentes econômicos, políticos e sociais em uma teia de interdependências radicais e profundas  que não é encontrada em nenhuma outra atividade econômica.

Em outras palavras, não é fácil entender o que se passa em um setor elétrico. Pelo contrário, essa é uma tarefa difícil, penosa e, voilà, complexa.

Por isso, meu caro leitor, se você tem dificuldades de entender o que se passa, de fato, nesse setor, relaxe pois nem mesmo aqueles que trabalham no setor entendem. Não há especialistas no setor elétrico. Existem indivíduos que conhecem parte do setor e que raramente vão além das suas especialidades.

Aqui encontramos o melhor exemplo da parábola indiana  dos cegos e o elefante na qual cada cego toca uma parte diferente do corpo do elefante e o descreve com base em sua própria e limitada experiência.

Verdades absolutas baseadas em experiências limitadas e subjetivas é o que mais se encontra no setor elétrico. Principalmente, quando as instituições, o único espaço no qual as experiências podem ser somadas a partir de uma perspectiva coletiva de enfrentar essa “elefantídeca” complexidade, se desmancham e passam a vigorar o curto prazo e as agendas individuais, que são as melhores conselheiras para os grandes desastres setoriais. Desastres que em geral resultam da combinação de ignorância e má-fé.

Já encontrei situações em que uma certa burrice denota mais uma má-fé esperta do que uma ignorância real. Porém, os anos me ensinaram que o exercício da burrice, mesmo que movido pela esperteza, torna as pessoas mais burras e não o contrário. Assim, a esperteza conjuntural vai se transformando em burrice estrutural. Essa última é grave e não tem cura.

Continue lendo »

O setor elétrico brasileiro escolhe o seu jogo: Guardiola ou Waldemar

In energia elétrica on 27/01/2022 at 12:36

Ronaldo Bicalho

Se pudéssemos por alguns instantes abstrair a pesada complexidade envolvida nas relações do setor elétrico e vê-las como o desenrolar de uma simples partida de futebol, poderíamos entrever alguns elementos fundamentais da estruturação desse jogo complexo, mas fascinante. Se você conseguir fazer isso, meu caro leitor, irá entender a grande encruzilhada e as escolhas decisivas que estão colocadas diante de nós.

Para atender o crescimento explosivo da demanda colocada pela industrialização e urbanização do País, o Brasil montou, a partir dos anos 1930s, um time excepcional para ampliar a oferta de energia elétrica que desse conta desse crescimento.

Para isso buscou-se a energia presente nos nossos rios e quedas-dágua. Essa escolha garantiu uma fonte barata e abundante de energia. Porém, essa escolha carregava um problema. O que fazer quando o clima não fosse generoso e tivéssemos secas fortíssimas. Em suma, como lidar com a falta de chuva. Em termos técnicos, como reduzir a nossa exposição ao risco hidrológico.

Continue lendo »

Privatização da Eletrobras: a crise contratada

In energia elétrica on 31/05/2021 at 02:00

Ronaldo Bicalho

A garantia do abastecimento da energia necessária para o desenvolvimento econômico e para o bem-estar da sociedade é uma preocupação central de qualquer Estado Nacional ao redor do mundo. 

O Estado, independentemente da sua maior ou menor participação direta na garantia do suprimento, é o garantidor final da segurança energética. Sobre ele, Estado, em particular o Governo de plantão, é que sempre recai a responsabilidade das crises de abastecimento. Crises que cobram um custo político elevado e impõem fragorosas derrotas eleitorais àqueles que têm a obrigação de evitar esses desastres energéticos e não o fazem.

No Brasil está em curso a mudança de política energética mais radical dos últimos noventa anos. A privatização da Eletrobras representa uma inflexão drástica na histórica e bem-sucedida estratégia de garantia do abastecimento energético do Estado brasileiro iniciada nos anos 1930s.

Primeiramente regulatória, mediante a implantação do Código de Águas em 1934, e em seguida produtiva, mediante a criação da CHESF em 1945, a intervenção do Estado se tornou desde então fundamental na garantia do suprimento elétrico necessário para o desenvolvimento econômico do País. O reconhecimento de que o setor privado não era capaz de suprir a energia elétrica demandada pela forte industrialização e urbanização em curso sustentou durante décadas essa intervenção.

Continue lendo »

A modernização do setor elétrico brasileiro

In energia elétrica on 22/11/2020 at 16:15

Ronaldo Bicalho

100

Um setor elétrico pode escolher ser mais ou menos moderno, mas ele não pode deixar de ser contemporâneo e ignorar sua circunstância. Ele precisa responder às questões colocadas pelo seu tempo e lugar.

A agenda real do setor elétrico no mundo hoje é definida a partir da transição energética, fruto da urgência do enfrentamento da crise climática. No caso desse setor específico, essa transição é sinônimo de descarbonização da matriz de geração de eletricidade, implicando em mudança radical da sua base de recursos naturais, com a retirada do seu pilar tradicional, que são os combustíveis fósseis.

Por outro lado, a agenda real do setor elétrico brasileiro hoje é definida a partir do esgotamento do seu modelo hidroelétrico tradicional, que impõe a configuração de uma nova matriz de geração de eletricidade e, portanto, de uma nova base de recursos naturais para o setor. Mudanças impostas pela perda do papel da energia hidráulica como pilar central de sustentação da base tradicional, fruto do esgotamento dos mecanismos clássicos de mitigação do risco hidrológico, resultante da perda de capacidade de regularização dos seus reservatórios.

Continue lendo »

Singularidade, contemporaneidade e diversidade na construção de um novo setor elétrico brasileiro

In energia elétrica on 19/11/2019 at 11:13

Por Ronaldo Bicalho

O momento atual do setor elétrico brasileiro é marcado pela exaustão do seu modelo hidrelétrico tradicional. O desafio colocado por essa ruptura radical da trajetória elétrica brasileira impõe a configuração de um novo setor elétrico assentado em bases distintas daquelas que sustentaram materialmente o desenvolvimento da energia elétrica no País.

O modelo elétrico tradicional brasileiro é composto por três elementos essenciais: energia hidráulica, reservatórios e forte coordenação. Sobre eles foi construída a base que sustentou o nosso setor durante praticamente toda a sua existência.

Um conjunto de eventos fragilizou essa fundação.

O primeiro deles foi a adoção, a partir dos anos 1990s, de uma política energética para o setor elétrico baseada na liberalização do mercado, pautada, essencialmente, pela privatização e introdução da competição nos mercados elétricos. A principal consequência dessa adoção foi a fragmentação do setor, em termos de agentes, interesses e organizações setoriais, que desestruturou a base institucional tradicional, que permitia a coordenação das decisões de curto e de longo prazo, sem ter sido capaz de substituí-la por uma nova que fosse realmente eficaz na coordenação do nosso singular setor elétrico. Continue lendo »

Distribuidoras versus geração distribuída: o problema é político

In energia elétrica on 29/10/2019 at 17:22

Por Ronaldo Bicalho

A proposta de ajuste regulatório envolvendo a retirada de incentivos à micro e minigeração distribuída, principalmente de energia solar, aumentou a tensão no interior do mercado elétrico. Esse aumento do conflito entre os interesses dos diversos agentes presentes no mercado é natural em um processo de transformação radical, como aquele que marca a transição elétrica na qual, querendo-se ou não, o setor elétrico vive aqui e no mundo.

 O jogo de lobbies confrontando distribuidoras e o setor de energia solar fotovoltaica explicita a importância do Estado na gestão dos conflitos e na arbitragem de quem fica com os custos da transição. Aqui, a necessidade da coordenação para fazer face à complexidade inerente ao setor surge de forma pedagógica. Necessidade que muitos atualmente fazem questão de subestimar, ou pior, esconder.

A complexidade do setor elétrico é um fato, e não uma figura de retórica, como imaginam alguns. Continue lendo »

Os elementos cruciais para a reconstrução do setor elétrico brasileiro

In energia elétrica on 14/02/2019 at 12:22

Por Ronaldo Bicalho

O momento atual do setor elétrico brasileiro é marcado pela irreversível exaustão do modelo tradicional no interior do qual ele se desenvolveu. O desafio colocado por essa ruptura radical da trajetória elétrica brasileira impõe a configuração de um novo setor elétrico assentado em bases distintas daquelas que sustentaram materialmente o desenvolvimento da energia elétrica no País.

Em outras palavras, é necessário reinventar o setor elétrico brasileiro a partir de uma nova fundação que seja capaz de sustentar uma nova trajetória evolutiva para essa atividade, de forma a alavancar o desenvolvimento econômico e o bem-estar da sociedade.

Para isso, é preciso desenhar um esboço mínimo que reúna os elementos essenciais para a estruturação desse novo setor elétrico.

Continue lendo »

Uma transição política e nacional

In energia on 04/09/2018 at 11:55

Por Ronaldo Bicalho

bicalho092018O tema central da política energética contemporânea é a transição energética.  Dessa forma, discutir política energética no mundo de hoje passa inexoravelmente pela discussão da transição energética.

Nesse sentido, a transição energética pode servir como elemento estruturante de uma análise das transformações em curso no mundo energético atual.

A transição energética é um tema complexo e exige uma abordagem cuidadosa, de forma a evitar a perda de foco diante de um fenômeno que apresenta múltiplas dimensões.

A dimensão política

A própria definição do fenômeno apresenta sutilezas que não devem ser subestimadas.

A primeira delas é que a transição energética não é movida essencialmente por fatores energéticos, mas por fatores ambientais. Em outras palavras, o estímulo primário da transição não é energético, mas ambiental.

Portanto, o impulso vital que acarreta transformações profundas no mundo energético advém da esfera ambiental, portanto é exógeno em relação a esse mundo energético. Continue lendo »

A crise do setor elétrico é estrutural

In energia elétrica on 16/05/2018 at 18:29

Por Ronaldo Bicalho

bicalho052018O setor elétrico brasileiro tem um problema definitivo e grave: o esgotamento do seu modelo tradicional de operação e expansão.

Nesse modelo, baseado na exploração do nosso generoso potencial hidrelétrico, os reservatórios jogaram um papel crucial na regularização das vazões dos rios e, portanto, na redução da exposição das usinas hidrelétricas ao risco hidrológico de não chover o suficiente e, em consequência, não se ter a água necessária para gerar a energia elétrica desejada.

A partir do momento em que fatores técnicos, ambientais, sociais e políticos passaram a restringir a construção de novos reservatórios, a redução da capacidade de regularização e, em consequência, a crescente exposição ao risco hidrológico passaram a fazer parte da agenda de problemas estruturais do setor elétrico brasileiro.

A perda de capacidade de coordenação, advinda do processo de fragmentação institucional iniciada pelas reformas dos anos 1990s, e o peso cada vez maior da intermitência na geração, via a crescente participação das novas fontes renováveis (eólica e solar) e das novas usinas hidrelétricas a fio de água (sem reservatório), aceleraram a deterioração do modelo. Continue lendo »

Reforma do setor elétrico: duvidosa, inadequada e imprópria

In energia elétrica on 14/03/2018 at 11:01

Por Ronaldo Bicalho

bicalho032018A reforma do setor elétrico brasileiro proposta pelo atual governo é duvidosa em termos dos resultados que ela promete entregar, inadequada às peculiaridades físicas e técnicas do nosso setor elétrico e inapropriada às incertezas do momento atual do setor elétrico aqui e no mundo.

A reforma atual representa uma retomada extemporânea das reformas dos anos 1990s, baseadas na liberalização dos mercados elétricos e na privatização das empresas estatais presentes nessa atividade econômica.

Esse retorno ao passado não se justifica em termos da experiência acumulada nos últimos vinte anos tanto aqui quanto no mundo.

A introdução da competição no mercado elétrico, pedra de toque das políticas liberais para esse mercado, baseada na hipótese de que a eletricidade seria uma mercadoria como outra qualquer e que, portanto, o mercado elétrico seria um mercado como outro qualquer, se demonstrou extremamente difícil de ser implementada. Continue lendo »

O setor elétrico brasileiro fora de tempo e lugar

In energia elétrica on 29/09/2017 at 00:46

Por Ronaldo Bicalho

bicalho09207A definição de uma agenda para o setor elétrico brasileiro passa por três movimentos básicos:

Em primeiro lugar, é necessário inserir essa agenda no contexto das grandes transformações estruturais que definem o momento atual do setor elétrico no mundo.

Em segundo lugar, é preciso situar essa agenda no quadro de esgotamento do modelo de operação/expansão do setor elétrico brasileiro baseado na exploração do potencial hidráulico via construção de grandes reservatórios.

Em terceiro lugar, é imprescindível articular as duas agendas representadas pela transição elétrica mundial e pela transição elétrica brasileira, de maneira a estabelecer um horizonte de possibilidades que incorpore as amplas oportunidades abertas pela reestruturação mundial da indústria elétrica em direção às renováveis.

Tanto a transição mundial quanto a brasileira partem do esgotamento das suas bases de recursos naturais tradicionais. Esse esgotamento é gerado fundamentalmente por pressões de caráter político institucional que se traduzem nas restrições ao uso dos combustíveis fósseis e à construção de usinas hidrelétricas com reservatórios. Essas limitações nascem, respectivamente, da necessidade de mitigar os efeitos da mudança climática e de reduzir os impactos socioambientais locais da construção dessas grandes barragens, principalmente na região amazônica. Continue lendo »

A dimensão institucional da crise do setor elétrico

In energia elétrica on 07/06/2017 at 15:00

Por Ronaldo Bicalho

bicalho062017A presente crise político/institucional vivida pelo país afeta de forma decisiva o setor elétrico brasileiro (Bicalho, 2016). Na medida em que essa crise fragiliza as bases institucionais do país, a implantação de uma agenda setorial que vença os atuais impasses e desafios fica bastante prejudicada.

As instituições desempenham um papel crucial na evolução do setor elétrico. A importância da coordenação institucional dos processos, dos agentes econômicos e dos seus interesses no campo técnico, econômico e político é histórica (Bicalho, 2014a). Os atuais desafios enfrentados pelo setor no processo de transição energética – o abandono dos combustíveis fósseis em direção às energias renováveis – não reduzem essa importância, muito pelo contrário, tornam as instituições uma peça chave na definição do futuro do setor (Bicalho, 2015).

No caso brasileiro, face às características do nosso parque de geração, essencialmente hidroelétrico e, mais importante, baseado na operação articulada de um conjunto de grandes reservatórios de acumulação, a coordenação desempenhou uma função vital na viabilização do aproveitamento do nosso grande potencial hidráulico e, mais do que isso, na colocação desse aproveitamento como a base de toda a construção técnica, econômica e institucional do nosso sistema elétrico, tal qual o conhecemos. A exaustão desse potencial, somada à introdução das novas renováveis, aponta na direção de uma maior demanda de coordenação, e não ao contrário (Bicalho, 2014b). Continue lendo »

A energia do Brasil: Mas que Brasil?

In energia on 28/11/2016 at 00:15

Por Ronaldo Bicalho

bicalho112016As instituições desempenham um papel crucial na evolução do setor de energia e, somadas à tecnologia,  estruturam esse conjunto de atividades essenciais para o desenvolvimento econômico e o bem-estar das sociedades modernas.

Essa crucialidade da função institucional introduz a presença do Estado no setor de forma incontornável, quer produzindo, quer regulando, quer definindo políticas públicas. Da atuação direta via estatais até ações externas para garantir a segurança energética, passando por uma ampla gama de ações, o Estado é um jogador fundamental no jogo energético.

Pode-se afirmar, sem sombra de dúvida, que o setor de energia é um dos setores econômicos nos quais a presença do Estado, direta ou indiretamente, é mais forte. Portanto, não é à toa o grande espaço ocupado pela dimensão político-institucional no debate energético.

Nesse sentido, as relações entre as esferas pública e privada percorrem toda a cadeia energética. Da concessão de uma licença ambiental para a construção de uma planta de geração à definição de tarifas, passando pela elaboração de políticas de incentivos/penalizações que envolve o executivo e o legislativo, assim como o recurso ao judiciário para a arbitragem de conflitos de natureza legal, as interações entre agentes públicos e privados pululam no universo da energia. Continue lendo »

A jabuticaba elétrica

In energia elétrica on 25/07/2016 at 00:15

Por Ronaldo Bicalho

bicalho072016Se só existe no Brasil e não é jabuticaba, não é coisa boa. Essa frase é bastante conhecida e sempre utilizada quando se deseja desqualificar algo que só existe no Brasil. Apresentada de diferentes maneiras e em distintas ocasiões, a teoria da jabuticaba sintetiza as dificuldade de alguns analistas na hora de tratar especificidades que não se encaixam nas explicações de cunho geral disponíveis na praça. Algumas são boas, outras são más, porém, ao fim e ao cabo, jabuticabas são apenas jabuticabas.

O setor elétrico brasileiro pode ser visto como uma grande jabuticaba; pode ser encarado como algo que existe só no Brasil e, em consequência, segundo a teoria da jabuticaba, não é uma coisa boa. No entanto, essa opinião pode ser simplesmente fruto da incapacidade de compreender a real natureza desse setor e, portanto, de identificar as qualidades da fruta.

A análise da transição elétrica brasileira no contexto da transição do setor elétrico no mundo oferece uma boa oportunidade de qualificar as potencialidades da nossa jabuticaba elétrica. Nesse caso, é necessário, inicialmente, identificar qual é, de fato, a singularidade do setor elétrico brasileiro, para então qualificar essa singularidade no quadro da transição mundial.

Considerando a transição elétrica mundial como sendo a substituição dos combustíveis fósseis pelos combustíveis renováveis da matriz elétrica, a transição elétrica brasileira representaria o movimento inverso. Se no caso mundial a mudança se daria a favor dos renováveis, resultando na ampliação significativa da participação desses na matriz, no caso brasileiro, os favorecidos seriam os combustíveis fósseis, que aumentariam a sua participação na matriz brasileira. Continue lendo »

O incerto mundo elétrico

In energia elétrica on 25/04/2016 at 00:15

Por Ronaldo Bicalho

bicalho042016O que caracteriza a transição elétrica é a incerteza associada ao processo de mudança da matriz elétrica em direção às novas energias renováveis. Essa incerteza é intrínseca a transformações radicais como a vivida pelo setor elétrico em seu atual momento evolutivo.

Em duas postagens anteriores – O setor elétrico em transformação e Notas sobre a introdução de energias renováveis variáveis e o futuro do setor elétrico  – foram abordados os aspectos fundamentais dessa transição. Nesta postagem, o objetivo é discutir as consequências dessa incerteza.

No Grande Sertão: Veredas, Guimarães Rosa escreve que: “viver é muito perigoso porque ainda não se sabe”. Em outra passagem, o escritor mineiro afirma: “o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”.

Portanto, ao invés de analisar a saída e a chegada, vale a pena se concentrar na travessia como ensina o velho Rosa. Porque é dela que se trata a discussão em tela.

A palavra transição dá uma ideia de passagem de um ponto a outro, de mudança de um estado a outro; de caminho e trajeto. Findo o processo, são conhecidos perfeitamente o início e o final, assim como o caminho percorrido entre um e outro. Porém, esse conhecimento no início e durante o processo depende, em muito, da radicalidade da mudança nele envolvida. Quanto mais profunda a mudança, maior a incerteza gerada por ela. Continue lendo »

Notas sobre o novo quadro energético mundial

In energia on 30/11/2015 at 18:10

Por Ronaldo Bicalho

bicalho112015Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE) (*), de agora até 2040, a utilização de energia no mundo deverá crescer um terço; puxada pela Índia, China, África, Oriente Médio e Sudeste Asiático.

Esse aumento se dará exclusivamente nos países que estão fora da OCDE (**). Tendências econômicas e demográficas, em conjunto com uma maior eficiência no uso da energia, reduzirão de forma continuada o consumo nos países da OCDE; liderados pela União Europeia ( -15%), Japão (-12%) e estados Unidos (-3%).

Em relação aos países que se encontram fora da OCDE e constituem os motores do crescimento do consumo de energia nas próximas décadas, o destaque é a China.

A transição chinesa para um modelo de crescimento econômico menos intensivo em energia tem implicações importantes para as tendência globais de crescimento do consumo energético. A China, sem dúvida, tem um grande peso na evolução do cenário energético mundial e até 2040: permanecerá, com grande folga, sendo o maior produtor e consumidor de carvão; implantará mais capacidade de geração renovável do que qualquer outro país; ultrapassará os Estados Unidos como o maior consumidor de petróleo; e terá um mercado de gás maior do que o da União Europeia. Continue lendo »

O setor elétrico em transformação

In energia elétrica on 07/09/2015 at 00:15

Por Ronaldo Bicalho

bicalho092015A indústria elétrica no mundo hoje é marcada por mudanças radicais que alteram de forma profunda a maneira como essa indústria evoluiu em termos tecnológicos, econômicos, organizacionais e institucionais desde o seu nascimento no final do século dezenove.

No coração dessa transformação se encontra o processo de substituição dos combustíveis fósseis pelas fontes de energia renováveis na matriz elétrica. A importância desse processo nasce naturalmente do fato da geração de eletricidade ser a atividade que mais contribui para a emissão de gases de efeito estufa, colocando o setor elétrico no centro das políticas de mitigação dos efeitos do aquecimento global.

Esse protagonismo do setor faz com que na passagem de uma economia baseada em combustíveis fósseis para uma economia sustentada em energias renováveis – a chamada transição energética -, a mudança da matriz de geração elétrica na direção das renováveis – a chamada transição elétrica – desempenhe um papel essencial.

Embora a transição energética envolva atividades que vão além da geração de eletricidade, como, por exemplo, a indústria e os transportes, a transição elétrica é aquela sobre a qual as políticas energéticas dos países preocupados com o aquecimento global têm concentrado a sua atenção.

Nesse sentido, entender os desafios envolvidos na transição energética é, em grande parte, entender os desafios envolvidos na transição elétrica. Esse entendimento passa pela compreensão da radicalidade presente na mudança da maneira como se produz e se utiliza a eletricidade quando se amplia de forma significativa a participação das renováveis na matriz elétrica. Continue lendo »

Nuclear: três transições, três agendas

In energia nuclear on 08/06/2015 at 00:15

Por Ronaldo Bicalho

bicalho062015A ampliação da participação da energia nuclear na matriz energética no mundo, e em particular no Brasil, depende da evolução de três agendas. A primeira delas diz respeito aos problemas específicos à transição nuclear, a segunda aos desafios associados à transição energética mundial e a terceira às questões relacionadas à transição elétrica brasileira.

Essas agendas sintetizam os desafios e as oportunidades dessas três transições; dependentes e fortemente inter-relacionadas. A dinâmica evolutiva dessas transições irá desenhar os espaços a serem ocupados pela energia nuclear no suprimento de energia necessário ao desenvolvimento econômico e ao bem-estar da sociedade.

A transição nuclear

Grande parte do parque nuclear mundial nos próximos quinze anos terá mais de quarenta anos. Países como Estados Unidos, Rússia e França terão que decidir que destino será dado a essas plantas: ampliar a sua vida útil, repô-las ou substituí-las por outras fontes.

Esse é um tema importante de política energética e a forma pela qual os países envolvidos irão encaminhar essa questão desenhará uma parte importante do futuro da matriz energética mundial.

Esse encaminhamento será definido parcialmente a partir da agenda específica da indústria nuclear. Essa agenda é constituída de elementos que compõem um conjunto de questões centrais que foram sendo reunidas ao longo da evolução histórica dessa indústria.

A questão principal dessa agenda é a legitimação dessa alternativa energética como solução para a garantia da segurança do suprimento de energia. Essa legitimação passa pela percepção da sociedade dos riscos envolvidos nessa solução. Continue lendo »

Notas sobre a introdução de energias renováveis variáveis e o futuro do setor elétrico

In energia elétrica on 02/03/2015 at 00:15

Por Ronaldo Bicalho

O que marca o atual momento do setor elétrico no mundo é o profundo e radical processo de transformação tecnológica, econômica, organizacional, institucional e política que o setor está passando.

A explosão da demanda pelos serviços elétricos e a necessidade de mitigar os efeitos da mudança climática colocam o setor no centro das discussões sobre política energética.

Atender aos ditames da segurança energética e da redução das emissões de CO2, mediante a ampliação da participação das Energias Renováveis Variáveis (ERVs), constitui o maior desafio do setor elétrico desde o seu nascimento no final do século XIX.

Estas notas procuram avaliar o tamanho e a natureza desse desafio, identificando a evolução do setor a partir das diversas possibilidades de superá-lo. Continue lendo »

Quinze anos de Infopetro

In energia on 23/02/2015 at 00:15

Por Ronaldo Bicalho *

022015Ao final do mês de Fevereiro, o Blog Infopetro completará cinco anos no ar. Os três primeiros textos foram postados no dia 1 de Março de 2010. Na verdade, o projeto Infopetro é de muito antes dessa data.

A primeira publicação do Infopetro se deu na forma de boletim eletrônico em Novembro de 2000.

No primeiro editorial se afirmava que:

Este boletim encontra suas justificativas nas transformações radicais introduzidas na regulação e na forma de organização das indústrias brasileiras de petróleo e gás. A quebra do monopólio estatal do petróleo, o processo de privatização das empresas no setor de distribuição do gás natural, a entrada de novos agentes em diversos segmentos da cadeia destas indústrias abrem espaço para um rápido desenvolvimento da concorrência nestes segmentos. Este desenvolvimento requer maior transparência e independência das informações, que devem estar disponíveis a um número cada vez maior de agentes, que agora participam do “jogo” do petróleo e do gás no Brasil. No atual contexto, novas fontes de informação e análise tornam-se mais do que nunca necessárias. O boletim Petróleo e Gás Brasil espera contribuir para uma maior transparência na indústria, não apenas informando, mas auxiliando os principais agentes no acompanhamento e compreensão dos fatos econômicos mais relevantes da nova dinâmica industrial e dos mercados do petróleo e do gás.  Continue lendo »

Eleições americanas: energia derrota Obama

In energia on 17/11/2014 at 00:15

Por Ronaldo Bicalho

bicalho112014As eleições de 4 de Novembro nos Estados Unidos representaram uma derrota para a política energética do presidente Barack Obama.

No Senado, os Republicanos reconquistaram a maioria, ficando com 53 cadeiras contra 44 dos Democratas, na Câmara ampliaram o seu domínio, controlando 244 assentos contra 186 dos Democratas, e nas eleições para governador, das 36 disputas, os Republicanos ganharam em 24.

Senado

bicalho112014a

Câmara

bicalho112014b

 Governador

bicalho112014c

Nessas eleições de meio de mandato, os Republicanos, ao final, tomaram 12 cadeiras dos Democratas no Senado, 12 cadeiras na Câmara e 3 governos estaduais.

Nas disputas pelo Senado, as maiores derrotas Democratas vieram de estados produtores de energia como Kentucky, West Virginia, Alaska e Colorado. Em West Virginia, grande produtor de carvão, os Republicanos conseguiram eleger um senador pela primeira vez em 56 anos – Shelley Moore Capito, que também foi a primeira mulher eleita para o Senado pelo estado.
Continue lendo »

A mudança da política alemã de incentivo às energias renováveis

In energias renováveis on 01/09/2014 at 00:15

Por Ronaldo Bicalho

bicalho092014No primeiro dia do mês de Agosto deste ano entrou em vigor a nova lei de incentivo às fontes de energia renováveis na Alemanha. A chamada EEG 2.0 (Erneuerbare Energien Gesetz – Lei das Fontes de Energia Renováveis) representa um forte ajuste na política energética alemã de apoio a essas fontes.

O freio de arrumação na transição energética alemã (energiewende) é fruto das fortes pressões a favor da reformulação do programa advindas principalmente dos setores industrial e elétrico alemão, assim como da própria Comunidade Europeia.

Com um custo estimado de um trilhão de Euros até 2030, uma das grandes ameaças à energiewende passou a ser a explosão das tarifas de energia elétrica puxada, principalmente, pela forte expansão da energia solar; fortemente subsidiada pelo esquema de tarifação Feed-in, que garante a rentabilidade dos investimentos em renováveis durante 20 anos.

Com uma conta de 20,4 bilhões de Euros chegando aos bolsos dos consumidores em 2013 – com expectativa de aumentar para 23,6 bilhões em 2014 -, as mudanças no esquema de subvenções às energias renováveis tornaram centrais para a sustentabilidade política e social do programa.

Mesmo não tendo que pagar 100% das taxas de incentivos às renováveis, em função de um mecanismo de proteção às indústrias intensivas em energia, os grandes consumidores alemães têm de pagar uma tarifa de €100 por MWh, ao passo que nos Estados Unidos o consumidor industrial paga em média  menos de €55 por MWh. No caso do consumidor industrial alemão médio, sem o mecanismo de proteção, esse valor atinge €145 por MWh. O gráfico abaixo apresenta as tarifas industriais alemãs em relação a outros países e sintetiza as dificuldades para a manutenção da competitividade industrial do país face ao movimento de aumento da tarifa de eletricidade; em contraste, fundamentalmente, com a manutenção das baixas tarifas americanas. Continue lendo »

A crise elétrica e a falta de coordenação

In energia elétrica on 02/06/2014 at 00:15

Por Ronaldo Bicalho

bicalho062014Em postagem recente, Renato Queiroz chamou a atenção para a necessidade de decisões colegiadas no setor elétrico. Esse fato está relacionado a um traço essencial da operação e expansão desse setor que é a necessidade de coordenação: coordenação técnica, coordenação econômica e coordenação política.

Complexidade e Coordenação no setor elétrico

Em termos físicos, a característica fundamental de um sistema elétrico é a dramática interdependência que existe entre as partes que o compõem. Essa interdependência radical nasce de dois atributos básicos da eletricidade e dos processos associados a ela.

1) Como a eletricidade não pode ser, economicamente, estocada, os processos de geração, transmissão/distribuição e utilização devem ocorrer simultaneamente.

2) Como todos esses processos, no limite, estão no mesmo campo elétrico, o que acontece em qualquer um deles tem impacto instantâneo sobre os outros, e vice-versa.

Assim, em função da não-estocabilidade do seu produto e do caráter sistêmico dos seus processos, o setor elétrico apresenta uma interdependência entre os seus processos – geração, transmissão, distribuição e utilização -, que não será encontrada em outros setores da economia.

Essa interdependência física entre os processos se estende aos agentes econômicos que detêm o controle sobre eles – geradores, transportadores, distribuidores e consumidores. Dessa forma, à interdependência física entre os processos corresponde uma interdependência econômica entre os agentes. Continue lendo »

A transição elétrica: muito além da falta de chuvas

In energia elétrica on 10/03/2014 at 00:15

Por Ronaldo Bicalho

(Atualizado em 8 de Abril de 2014)

bicalho032014Por trás da crise elétrica se desenvolve outro enredo que apresenta consequências que vão muito mais além do que aquelas causadas pela eventual falta de chuvas. Mudanças profundas estão ocorrendo nas bases do setor elétrico brasileiro. São essas mudanças que irão ocupar a agenda do setor nos próximos anos, colocando no centro das discussões os problemas associados à transição elétrica. Do entendimento da natureza e do alcance dessa transição irá depender não só o futuro do setor, mas, o futuro do país.

O setor elétrico brasileiro foi construído a partir da exploração intensiva do potencial hidráulico do país.

De Marmelos a Belo Monte, de Henry Borden a Itaipu, passando por Paulo Afonso, Furnas, Tucuruí, Xingó e tantas outras, as grandes hidrelétricas são os pilares que sustentaram historicamente o sistema elétrico brasileiro.

Se o aproveitamento do generoso potencial hidráulico se desenhou rapidamente como o caminho natural do desenvolvimento elétrico brasileiro, com as primeiras grandes barragens sendo construídas pela Light no início do século passado – Parnaíba, Fontes e Henry Borden –, seguida pelas nascentes estatais federais CHESF – Paulo Afonso – e Furnas – Usina de Furnas -, a gestão dos grandes reservatórios foi a pedra angular que alavancou esse aproveitamento, dando consistência e amplitude incomuns à exploração dos nossos recursos hídricos. Continue lendo »

A matriz energética nacional

In energia on 28/10/2013 at 00:15

Por Ronaldo Bicalho

bicalho102014Para acompanhar a discussão sobre a evolução da matriz energética brasileira é imprescindível conhecer uma publicação editada pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e Ministério de Minas e Energia (MME): O Balanço Energético Nacional (BEN).

O relatório consolidado do Balanço Energético Nacional apresenta, anualmente, a contabilidade relativa à oferta e o consumo de energia no Brasil, contemplando as atividades de extração de recursos energéticos primários, sua transformação em formas secundárias, a importação e exportação, a distribuição e o uso final da energia.

O documento final do BEN é disponibilizado no segundo semestre do ano posterior ao ano base. Dessa forma, os dados consolidados para o ano passado (2012) ficaram disponíveis no segundo semestre de 2013. Contudo, como forma de disponibilizar estatísticas energéticas ainda no primeiro semestre, a EPE elabora o documento intitulado “Resultados Preliminares do BEN”, cuja edição de 2013 – ano base 2012 – ficou disponível no seu site, até a publicação no segundo semestre dos atuais dados consolidados .

Além de trazer os resultados do ano anterior, o BEN traz uma série de balanços consolidados que cobre o período que vai de 1970 até o último ano disponível, que, no momento, é 2012. Portanto, são mais de quarenta anos de dados sobre a maneira como a energia vem sendo produzida, transformada e utilizada no Brasil.

Nesse sentido, o BEN constitui uma base de dados muito interessante para quem acompanha as discussões sobre energia. Para que se possa aproveitá-la plenamente, é necessário conhecer alguns conceitos-chave na sua construção, que facilitam a compreensão do alcance desse instrumento. Continue lendo »

A energia do Brasil e seus desafios

In energia on 07/10/2013 at 00:15

Por Edmar de Almeida e Ronaldo Bicalho

edmar102013No livro a Energia do Brasil o professor Antonio Dias Leite descreve e analisa a saga brasileira na construção do seu setor energético. Nessa obra clássica, o professor emérito do Instituto de Economia da UFRJ disseca a maneira como o país soube encontrar a energia necessária para a sustentação do seu desenvolvimento econômico. Desenvolvimento econômico baseado em uma forte industrialização voraz no consumo de energia.

Nessa trajetória, o país construiu um setor energético moderno, vigoroso e sofisticado. Das águas profundas à gestão dos grandes sistemas elétricos continentais, passando pelo enriquecimento de urânio e pelos biocombustíveis, o país conseguiu a energia necessária ao seu crescimento econômico e ao bem estar da sua população.

O novo milênio traz desafios maiores e mais complexos para o setor energético. Mais uma vez é necessário ir em busca da energia do Brasil. Não mais aquela que nos sustentou no século passado; mas aquela que poderá nos sustentar neste século que se inicia.

Os desafios para o setor de energia brasileiro neste século que se inicia são consideravelmente distintos dos já enfrentados até o momento. No século passado a questão central foi a segurança energética e a redução da dependência externa. O Brasil busca agora se tornar um grande exportador de energia, em particular de petróleo. Este objetivo muda de patamar as complexidades e desafios para os setor de energia nacional. A dinâmica do setor energético nacional passa a ter um dimensão internacional. Ou seja, as relações econômicas e políticas que o país desenvolverá no plano internacional terão implicações para o setor energético nacional. Continue lendo »

A transição energética: aberta, indefinida e indeterminada

In energia on 23/09/2013 at 00:15

Por Ronaldo Bicalho

bicalho092013Duas questões fundamentais caracterizam o atual contexto energético e sua evolução futura: a segurança energética e a mudança climática.

A garantia do suprimento de energia necessário ao crescimento econômico e ao bem-estar da sociedade e a mitigação do processo de mudança climática mediante o controle do aquecimento global via a redução das emissões de gases de efeito estufa são objetivos drasticamente interdependentes e contraditórios.

Interdependência e contradição essas que nascem do papel crucial desempenhado pelos combustíveis fósseis tanto na segurança energética quanto na mudança climática.

Esses combustíveis representam, por um lado, 80% do consumo mundial de energia e, por outro, 80% das emissões de CO2 de origem humana.

Dessa forma, reduzir as emissões de CO2 tem um custo energético, representado pela indisponibilidade de um recurso chave para o atendimento das necessidades energéticas. Em contrapartida, atender essas necessidades mediante o uso intenso desse recurso tem um custo ambiental, representado pela explosão das emissões, intensificação do aquecimento global e aceleração da mudança climática.

Esse trade-off estrutura o processo de transição energética. Essa transição de uma economia baseada no uso intensivo dos combustíveis fósseis para uma economia sustentada por combustíveis limpos encontra-se no coração da dinâmica energética que definirá a evolução do contexto energético neste século.

A maneira como se percebe, se administra e se reduz esse trade-off é fundamental na definição da necessidade, do conteúdo, do ritmo e da duração da transição energética. Continue lendo »

Os desafios da energia no Brasil

In energia on 30/07/2013 at 00:15

Por Ronaldo Bicalho

seminario2Quais são as questões fundamentais para o desenvolvimento do setor energético brasileiro no atual contexto nacional e internacional? De que maneira a energia pode ser um fator decisivo no desenvolvimento econômico e social do país? Quais são os grandes desafios a serem vencidos para que a energia possa servir de alavanca para esse desenvolvimento?

Para responder a essas questões o Grupo de Economia da Energia realizará no próximo mês de Outubro o seminário: Os desafios da energia no Brasil.

Esse fórum de debates, reunindo especialistas do setor produtivo, do governo e da universidade, se dará em dois dias, e está estruturado em torno da discussão de seis grandes temas e duas grandes questões decisivas para a evolução do setor energético brasileiro.

O Contexto Energético Internacional: Um Mundo em Transição

O primeiro grande tema é a inserção do debate brasileiro no debate energético internacional. Nesse sentido, quais são as grandes tendências e dilemas do cenário energético internacional?

Duas questões fundamentais definem o atual contexto energético internacional: segurança energética e mudança climática. Os diferentes Estados Nacionais encaram de maneiras distintas essas duas questões e, principalmente, a problemática correlação existente entre elas. Essas percepções distintas geram estratégias distintas, que interagindo umas com as outras vão desenhando os cenários possíveis de evolução desse contexto.

Essa pluralidade de percepções, estratégias e evoluções configura um quadro no qual o processo de transição entre a atual economia baseada no uso intensivo dos combustíveis fósseis e uma futura economia sustentada nas energias renováveis é acima de tudo indefinido e aberto, com várias trajetórias, conteúdos e tempos de duração possíveis. Continue lendo »

Obama, mudança climática e carvão

In carvão on 01/07/2013 at 00:15

Por Ronaldo Bicalho

bicalho072013O presidente americano Barack Obama anunciou na última terça-feira, 25 de Junho, um conjunto de iniciativas para combater o aquecimento global, com medidas para reduzir as emissões de carbono, preparar os Estados Unidos para os impactos das alterações climáticas e fortalecer a cooperação internacional para lidar com o problema.

O anúncio representa o movimento político mais importante do atual governo desde a ampla reforma energética proposta em 2009, aprovada inicialmente na Câmara e posteriormente derrotada no Senado.

Nessa nova tentativa de fixar o legado de sua presidência no combate à mudança climática e no apoio às energia limpas, Obama privilegiou as ações no âmbito do próprio Executivo. Dessa forma, procurou evitar o enfrentamento legislativo que marcou o seu primeiro mandato. Contudo, se, por um lado, o presidente se livrou dos desgastes e das derrotas desse tipo de enfrentamento, por outro, sem o recurso a mudanças regulatórias significativas, suas opções se tornaram mais limitadas. Assim como mais sujeitas a questionamentos legais.

Entre as medidas anunciadas na última terça-feira, sem dúvida, a de maior impacto ambiental, econômico e político é a proposta de definição de padrões de emissão de CO2 para as plantas de geração de eletricidade, tanto para as novas quanto para as já existentes; lembrando que a geração de eletricidade é responsável por um terço das emissões americanas de gases de efeito estufa.

Obama considera que tem o mandato legal para agir na redução das emissões de carbono a partir da determinação da Suprema Corte de que o CO2 é um poluente. Nesse sentido, o presidente estabeleceu que a agência federal do meio ambiente (Environmental Protection Agency – EPA) trabalhe em conjunto com os estados, a indústria e outras partes envolvidas com o problema, na determinação de novos padrões de poluição do carbono, similares àqueles que já existem para outros poluentes tóxicos como o mercúrio e o arsênico. Essas novas regras deverão estar definidas e prontas para serem aplicadas dentro de dois anos. Continue lendo »

O desafio energético chinês

In energia on 22/04/2013 at 00:22

Por Ronaldo Bicalho e Felipe de Souza

bicalho042013Em Dezembro de 2012, a China tomou o lugar dos Estados Unidos como o maior importador de Petróleo do mundo. Nesse mês, de acordo com dados preliminares da US Energy Information Administration, a China importou o correspondente a 6,12 b/d enquanto os Estados Unidos importaram 5,98 b/d. Os americanos lideravam o ranking dos importadores desde meados dos anos 1970 e, apesar dos dados se referirem apenas ao mês Dezembro e no consolidado do ano os EUA seguirem liderando, analistas acreditam que essa ultrapassagem mensal sinaliza claramente a tendência de longo prazo de supremacia chinesa nas importações mundiais de petróleo.

Embora a China seja o maior produtor de carvão do mundo, a forte expansão do consumo e os preços domésticos desfavoráveis fizeram com que a importação de carvão começasse a crescer a partir de 2002; de tal forma que em 2009 o país já era um importador líquido e em 2010 ocupava o segundo lugar no ranking mundial de importações carboníferas, perdendo apenas para o Japão.

Mesmo no caso do gás natural, a China se tornou um importador dessa fonte de energia pela primeira vez em 2007. Desde então a participação da importação líquida cresceu fortemente, saltando de 2% do consumo nesse ano para 22% em 2011.

Assim, a China, que em 1971 apresentava uma importação líquida negativa, correspondente a (-) 0,5% da sua demanda total de energia, em 2010 importava 14 % da energia que consumia e era responsável por 8% das importações mundiais de energia. Continue lendo »

A energia dos BRICs

In energia on 07/01/2013 at 00:15

Por Ronaldo Bicalho

bicalho012013Segundo os dados da Agência Internacional de Energia (AIE)*, Brasil, Rússia, Índia e China respondem por 32% da demanda de energia mundial. Entre eles o destaque fica com a China com 2.417 milhões de tep (toneladas equivalentes de petróleo)[1], que correspondem a 19% da demanda de energia do mundo[2]. A Rússia vem em seguida com 701 milhões de tep (6% da demanda mundial), depois a Índia com 692 milhões de tep (5%) e finalmente o Brasil com 265 milhões de tep (2%).

Embora a China apresente a maior demanda de energia do mundo, seu consumo per capita (1,81 tep/hab) está abaixo da média mundial (1,86 tep/hab). Do mesmo modo a Índia que, mesmo alcançando 5% da demanda mundial, apresenta um baixo consumo per capita (0,59 tep/hab). Por outro lado, a Rússia apresenta um consumo per capita de energia (4,95 tep/hab) de país desenvolvido[3]. O consumo brasileiro (1,36 tep/hab) fica em uma posição intermediária entre os BRICs, um pouco abaixo do consumo chinês. Para situar esses valores, os Estados Unidos, segundo maior consumidor de energia do mundo, têm uma demanda per capita de 7,15 tep/hab. Continue lendo »

O desafio energético Indiano: pobreza, segurança energética e mudança climática

In energia on 15/10/2012 at 00:15

Por Ronaldo Bicalho

Na Índia, 25% da população não têm acesso à eletricidade e 72% usam lenha para cozinhar. Isto significa que 289 milhões de indianos não têm luz elétrica em suas casas e que 836 milhões não têm fontes de energia modernas para preparar seus alimentos.

A Índia tem uma demanda energética (692,6 Mtep) 40% maior do que a do Japão (496,8 Mtep), contudo, cada indiano consome (0,59 tep) apenas o correspondente a 15% da energia consumida por um japonês (3,90 tep).

Mesmo considerando as reduções previstas para essas carências energéticas, em 2030 as parcelas da população indiana sem acesso à energia elétrica (194 milhões) e às fontes modernas para a cocção (778 milhões) continuarão sendo significativas (10% e 53%, respectivamente).

Desse modo, a demanda de energia de uma grande parte da população indiana não é atendida hoje e, mais do que isso, continuará sem ser atendida por um longo tempo.

Em função das graves consequências econômicas e sociais dessa pobreza, prover o acesso às energias modernas para toda a sua população, principalmente à eletricidade, é a prioridade maior da política energética indiana. Essa inclusão tem sido, historicamente, o grande desafio das políticas públicas do Estado indiano na área de energia.

A Índia apresenta a terceira maior demanda de energia do mundo, atrás apenas da China e dos Estados Unidos. Continue lendo »

As instituições e o futuro da energia

In energia on 06/08/2012 at 11:44

Por Ronaldo Bicalho

As instituições têm um papel decisivo na configuração do futuro da energia. Este texto discute o papel das políticas energéticas dos diversos Estados nacionais na evolução do cenário energético no médio (2030) e no longo (2050) prazos.

O peso das instituições

Dois fatores determinam a evolução estrutural do cenário energético: tecnologia e instituições.

Se, por um lado, as tecnologias vão definindo o horizonte de possibilidades de mediação entre as necessidades energéticas e os recursos naturais, por outro, as instituições vão enquadrando essas possibilidades; incentivando ou penalizando, sancionando ou vetando tecnologias, estratégias, empresas e países.

A evolução energética no médio e no logo prazo, vista sob a perspectiva de hoje, depende do posicionamento das instituições que regulam, em sentido amplo, o mercado energético frente a dois temas cruciais: segurança energética e mudança climática.

Esse posicionamento, na medida em que se traduza em políticas públicas, definidoras das ações dos diversos Estados Nacionais no enfrentamento desses dois problemas, irá se constituir em um dos elementos chave para a definição dos futuros possíveis da energia. Continue lendo »

A Eletrobras e a construção de um setor elétrico nacional

In energia elétrica on 09/07/2012 at 00:14

Por Ronaldo Bicalho

Há cinquenta anos era criada a Centrais Elétricas Brasileiras (Eletrobras). Proposta inicialmente pelo presidente Getulio Vargas em 1954, a empresa só seria instalada em 1962, pelo então presidente João Goulart.

Dado o contexto em que se deu – grande heterogeneidade de agentes e interesses já consolidados -, a configuração de uma empresa elétrica federal de âmbito nacional apresentou um elevado grau de complexidade político-institucional.

Levada a cabo a partir do reconhecimento de que era preciso garantir a expansão acelerada da oferta de energia elétrica no país e que a intervenção do Estado era imprescindível para se alcançar esse objetivo, todo o processo de centralização dos recursos na esfera do Governo federal demandou um longo, árduo e penoso processo de negociação entre distintos agentes, interesses e regiões, que definiu, ao fim e ao cabo, o ritmo e a extensão dessa centralização. Continue lendo »

A China e o futuro das energias limpas

In energias renováveis on 23/04/2012 at 00:15

Por Ronaldo Bicalho e Felipe de Souza

A China é o maior consumidor de energia e o maior emissor de CO2 do mundo. Sua matriz energética é baseada no carvão, que atende a 67 % da sua demanda energética e gera 79 % da sua eletricidade.

De acordo com a Agência Internacional de Energia, o gigante asiático será responsável por um terço do aumento da demanda global de energia de hoje até 2035.

Se em 2000 a China demandava o correspondente a metade da energia consumida pelos Estados Unidos, em 2035 os chineses irão consumir 73% a mais do que os americanos; em um quadro no qual além de maiores consumidores de energia eles serão também os maiores importadores mundiais de petróleo.

Por outro lado, em 2009 a China ultrapassou o Estados Unidos como o país que detém a maior capacidade instalada de energias limpas. Nesse mesmo ano e no seguinte a China foi o país que mais investiu nesse tipo de energia (US$ 39,1 bilhões e US$ 54,4 bilhões de dólares, respectivamente); de tal forma que hoje os chineses são os maiores produtores mundiais de turbinas eólicas e painéis solares. Continue lendo »

A independência energética americana

In energia on 30/01/2012 at 00:14

Por Ronaldo Bicalho

Em um curto período de uma semana, no final de Outubro do ano passado, três grandes jornais anunciaram que os Estados Unidos estavam a um passo de alcançar a sua independência energética.

Se no New York Times as novas tecnologias redesenhavam o quadro energético mundial, no Washington Post nascia uma nova ordem petrolífera mundial, enquanto que no Financial Times o pendulo energético mudava o seu curso e passava a apontar na direção da independência petrolífera americana.

Por trás das boas novas encontravam-se os avanços na produção de petróleo e gás não convencionais – das areias betuminosas do Canadá à revolução mundial do shale gás – e na exploração offshore em águas profundas – do Golfo do México às costas brasileiras e africanas – que colocavam à disposição do ocidente um volume significativo de hidrocarbonetos que redesenharia completamente o mapa energético mundial; em detrimento do oriente médio, que perderia a sua relevância no suprimento da energia ocidental. Continue lendo »

Redução das emissões de CO2: distribuindo custos e sacrifícios

In energia on 07/11/2011 at 00:12

Por Ronaldo Bicalho

Segundo a nossa última postagem, pensar a transição entre a atual economia baseada no uso intensivo dos combustíveis fósseis  e uma futura economia sustentada nas energias renováveis como um processo definido, com uma trajetória única, um timing único e um conteúdo único, é uma simplificação que não ajuda no entendimento da natureza dessa transição, de suas possibilidades e de suas dificuldades.

A transição, de fato, é um processo indefinido e aberto, com várias trajetórias, conteúdos e tempos de duração possíveis.

Em outras palavras, não há uma transição única, mas várias transições.

Nesse sentido, analisar as possibilidades de evolução do setor de energia no mundo hoje implica na análise dessas várias transições.

Mapeando transições

Para se identificar essas diferentes possibilidades de transição é fundamental mapear as distintas maneiras de se perceber o trade-off segurança energética versus mudança climática e as diversas formas de enfrentá-lo.

Para isso, pode-se considerar, em termos gerais, que a redução da intensidade do processo de mudança climática seja o objetivo principal e, a partir daí, se avaliar qual o tipo de impacto negativo (custos) que a redução das emissões de CO2 tem sobre a segurança energética, em função de diferentes hipóteses para a obtenção dessa redução. Continue lendo »

Segurança energética e mudança climática: a difícil convergência

In energia on 19/09/2011 at 00:10

Por Ronaldo Bicalho

Duas questões fundamentais dominam o debate contemporâneo sobre energia: mudança climática e segurança energética.

A princípio, essas questões pertencem a áreas de políticas públicas diferentes, contudo, a evolução recente dos acontecimentos, tanto no âmbito energético quanto no ambiental, fez com que a interdependência entre elas crescesse de forma significativa.

Face a isto, a peculiaridade do atual momento não se encontra simplesmente na presença do tema ambiental – mudança climática – no debate sobre energia, mas no protagonismo adquirido por esse tema na evolução do quadro energético atual. Em consequência, não basta reconhecer a necessidade de incorporar a variável ambiental no debate, mas reconhecer a necessidade de incorporá-la como uma questão de primeira ordem, em igualdade de condições com o tema energético por excelência que é a segurança energética.

A necessidade de se colocar as dimensões ambiental e energética no mesmo patamar na discussão sobre energia é fruto da presença marcante dos combustíveis fósseis tanto na mudança climática quanto na segurança energética.

Para a área de meio ambiente, os combustíveis fósseis constituem a principal causa da mudança climática, em função do aumento da temperatura gerado pela concentração dos gases de efeito estufa na atmosfera; em particular, do CO2 emitido pela queima desses combustíveis.

Para a área de energia, os combustíveis fósseis desempenham um papel fundamental na garantia do suprimento de energia necessário ao desenvolvimento econômico e ao bem-estar social; graças a um conjunto de atributos – estocabilidade, densidade, disponibilidade e controle – que permite a utilização desses combustíveis em níveis de escala e custo extremamente favoráveis. Continue lendo »

Dos fósseis aos renováveis: a difícil transição energética

In energia on 18/07/2011 at 00:10

Por Ronaldo Bicalho

A construção de uma política energética, que administre a difícil passagem de uma economia baseada nos combustíveis fósseis para uma economia de baixo carbono, não é uma tarefa fácil.

A massiva substituição dos combustíveis fósseis pelas fontes de energia renováveis envolve mudanças tecnológicas, econômicas e institucionais significativas. Essas mudanças transcendem o setor energético e abarcam temas que dizem respeito a um conjunto de valores associados ao papel crucial da energia no desenvolvimento econômico e no bem estar social e à relação com os recursos naturais e o meio ambiente derivada, justamente, dessa crucialidade.

A compatibilização entre os imperativos da segurança energética e os da mudança climática, mediante o recurso à penalização dos combustíveis fósseis e ao incentivo às renováveis, tem-se demonstrado na prática muito mais complexa do que o imaginado inicialmente.

A idéia de reunir o melhor dos dois mundos – a autossuficiência e a baixa emissão, o aumento da segurança energética e o combate aos fatores geradores da mudança climática – em torno da ampliação das fontes renováveis na matriz energética vem encontrando dificuldades tecnológicas, econômicas e político-institucionais crescentes.

A primeira dificuldade é tecnológica e diz respeito à necessidade de que haja avanços significativos nas tecnologias renováveis para que elas possam competir de fato com as tecnologias tradicionais. Esses avanços referem-se à superação dos problemas associados às baixas estocabilidade, densidade e escala, características do atual estágio de desenvolvimento das renováveis. Continue lendo »

Segurança energética e mudança climática: diferentes visões, diferentes políticas

In energia on 23/05/2011 at 00:10

Por Ronaldo Bicalho

Segurança energética e mudança climática são os dois grandes eixos em torno dos quais se estruturam atualmente as políticas energéticas no mundo.

Com isto, garantir o suprimento de energia e reduzir as emissões dos gases de efeito estufa tornaram-se grandes objetivos estratégicos dos Estados Nacionais no campo da energia, com reflexos significativos na composição desejada da matriz energética futura e na configuração das estratégias mais adequadas para alcançá-la.

Contudo, a avaliação das reais conseqüências da presença desses dois objetivos no cerne da política energética necessita de uma qualificação. Principalmente, no que diz respeito à maneira como os Estados Nacionais percebem, hierarquizam e introduzem em seu conjunto de políticas públicas esses objetivos; o que, ao fim e ao cabo, se traduz no volume de recursos que, de fato, esses Estados estão dispostos a mobilizar para alcançá-los. Continue lendo »

O acidente nuclear no Japão, a escassez energética e a mudança climática global

In energia nuclear on 28/03/2011 at 00:15

Por Ronaldo Bicalho

O desastre ocorrido na central de Fukushima Daiichi no Japão colocou em xeque o processo de recuperação da imagem da energia nuclear como uma fonte segura e confiável. Esse fato gerou sérias dúvidas sobre a consistência da política energética de vários países que contavam com essa fonte para fazer face ao atual contexto energético de latente desequilíbrio entre a oferta e a demanda de energia e de crescente restrição ambiental ao uso dos combustíveis fósseis.

O impacto inicial desse acidente sobre a opinião pública foi muito desfavorável à expansão dessa fonte de energia na matriz energética e suscitou respostas políticas que apontaram na direção da reavaliação dos planos de construção de novas usinas. Esse movimento englobou desde a suspensão temporária do final da moratória nuclear alemã, até a sinalização da China e da Índia no sentido de reconsiderar seus planos de expansão da geração nuclear, passando pela intenção americana de também rever a segurança das suas centrais. Continue lendo »

O pré-sal e o controle do Estado

In petróleo on 22/11/2010 at 00:15

Por Ronaldo Bicalho

A mudança ora em curso no marco institucional para a exploração do petróleo presente na província do pré-sal contempla uma visão do papel estratégico a ser desempenhado pelo setor petrolífero brasileiro distinta daquela que formatou o marco anterior; tanto no que concerne à nova inserção internacional do país, quanto às próprias condições objetivas de sustentação dessa inserção.

O cerne dessa mudança se concentra  justamente na ampliação do controle estatal sobre a exploração das riquezas do pré-sal, de forma a auferir o máximo de benefícios dessa exploração, sob uma ótica estratégica de longo prazo que transcende os limites da indústria petroleira.

Desse modo, a mudança do marco institucional do setor de petróleo no Brasil não se resume, simplesmente, a uma discussão sobre as vantagens e desvantagens dos regimes de exploração – concessão versus partilha -; das vantagens e desvantagens da participação da Petrobras em todos os consórcios; das vantagens e desvantagens da cessão onerosa e da capitalização da Petrobras; das vantagens e desvantagens da criação de uma nova estatal; e assim por diante.

Na verdade, há um eixo central que estrutura essa mudança institucional que se funda no controle do Estado brasileiro sobre a exploração das riquezas do país. O que está sendo discutido, de fato, é o nível desse controle, os seus custos e os seus benefícios. O que está sendo discutido é qual o nível de soberania que se quer e que se pode exercer sobre essas riquezas. O que está sendo discutido é o país que se quer e o que se está disposto a se fazer para construí-lo. Continue lendo »

As incertezas sem precedentes sobre o futuro da energia

In energia on 27/09/2010 at 00:15

Por Ronaldo Bicalho

De acordo com Alex Forbes, no European Energy Review, um dos destaques do último Congresso Mundial de Energia, em Montreal, foi a apresentação do economista-chefe da Agência Internacional de Energia (AIE), Fatih Birol, sobre alguns dos temas-chave do próximo World Energy Outlook.

Birol identificou quatro fatores cruciais para a definição do nosso futuro energético: as grandes incertezas sobre a recuperação econômica, o gás de xisto e as políticas de mudança climática; a insensibilidade crescente dos mercados de petróleo a mudanças de preços; o impacto cada vez mais amplo da China na dinâmica global da energia; e a mudança do papel da política pública de energia. Esse conjunto de fatores, segundo Birol, gera um contexto de “incerteza sem precedentes” para a indústria de energia global.

Incertezas: recuperação econômica, gás de xisto e mudança climática

Segundo o economista-chefe da AIE, a forma e o ritmo da recuperação econômica após a crise global é, sem dúvida, a grande fonte de incerteza que a indústria de energia enfrenta no curto e médio prazo; na medida em que a trajetória de recuperação é fundamental face à correlação entre a atividade econômica, a demanda e a oferta de energia e, portanto, os investimentos em energia. Continue lendo »

A dinâmica energética mundial: de como recursos naturais, tecnologia, mercados e instituições determinam hoje a energia de amanhã.

In energia on 09/08/2010 at 00:15

Por Ronaldo Bicalho

O objetivo deste texto é identificar os fatores que atualmente determinam a  evolução do contexto energético no mundo.

Os  recursos naturais

O primeiro fator determinante da dinâmica energética é a dotação de recursos naturais, tanto em termos de quantidade e qualidade quanto em termos de localização.

Um dos traços marcantes do atual quadro energético mundial é a disputa entre detentores de recursos naturais, que buscam valorizar ao máximo a sua posse, tanto em termos econômicos quanto políticos, e seus consumidores, que buscam reduzir os impactos dessas pressões econômicas e políticas. Continue lendo »

Um panorama sobre os desafios da energia

In energia on 31/05/2010 at 00:30

Por Ronaldo Bicalho

A Associação Brasileira de Estudos em Energia (AB3E) criou o prêmio João Lizardo de Araújo para homenagear aqueles profissionais que contribuíram para o avanço do conhecimento na área de economia da energia no país.

O prêmio será entregue  na 33a Conferência Internacional da Associação Internacional de Economia da Energia, que ocorrerá no Rio de Janeiro de 6 a 9 de Junho, e o primeiro agraciado será o professor  Antonio Dias Leite.

O professor João Lizardo de Araujo dedicou mais de quarenta anos ao ensino e à pesquisa no campo da energia, a maior parte na Universidade Federal do Rio de Janeiro – inicialmente na COPPE e depois no Instituto de Economia.

Pouco tempo antes de falecer, já como diretor do Centro de Pesquisa de Energia Elétrica (CEPEL) da Eletrobrás, João Lizardo deu uma longa entrevista ao Jornal da UFRJ, de junho de 2008, na qual traçou um amplo panorama sobre os grandes temas envolvendo a energia no Brasil e no mundo. Continue lendo »

Energia = tecnologia + instituições

In energia on 17/05/2010 at 00:30

Por Ronaldo Bicalho

A relação entre as necessidades e os recursos energéticos não é estática no tempo e homogênea no espaço; na verdade, ela é dinâmica no tempo e heterogênea no espaço.

Para entender melhor esse dinamismo e essa heterogeneidade é preciso lembrar que entre as necessidades e os recursos energéticos há um conjunto de tecnologias – de produção, transporte e armazenamento, transformação e utilização – que estrutura as cadeias energéticas ao longo do tempo, definindo um conjunto de possibilidades, cujo aproveitamento, tanto em termos de timing quanto de intensidade, é definido a partir das instituições. Continue lendo »

Políticas para o desenvolvimento do sistema produtivo energia no Brasil

In energia on 12/04/2010 at 01:00

Por Ronaldo Bicalho

O primeiro grande desafio político para o desenvolvimento do sistema produtivo energia hoje é a definição do regime regulatório do pré-sal. Nesse caso, a grande questão é como configurar um novo marco institucional que responda às mudanças impostas pela alteração radical nas condições de exploração e produção colocadas pelo próprio pré-sal. É evidente que o equacionamento político dessa questão não é simples, porém, sem ele, não é possível avançar nos objetivos principais colocados para o setor de petróleo neste trabalho: i) o aumento da capacidade produtiva em E&P e no refino; ii) a elevação da competitividade da indústria para-petrolífera nacional; e iii) promover a pesquisa tecnológica para otimização das atividades de E&P. Continue lendo »

Perspectivas de médio e longo prazos dos investimentos no sistema produtivo Energia no Brasil

In energia on 01/03/2010 at 00:30

Por Ronaldo Bicalho

Neste texto são apresentados dois cenários sobre as perspectivas para o investimento no sistema produtivo Energia no Brasil (*). Um cenário denominado de “possível”, que contempla o médio prazo (2012), e outro denominado “desejável”, que contempla o longo prazo (2022). O primeiro considera a continuidade dos ambientes regulatório, econômico e institucional. O segundo leva em conta uma situação ótima em termos das mudanças que seriam desejáveis nesses ambientes. Se o primeiro é um prolongamento da situação atual, o segundo representa a superação dos desafios e o aproveitamento das oportunidades existentes. Continue lendo »