Grupo de Economia da Energia

Perspectivas de médio e longo prazos dos investimentos no sistema produtivo Energia no Brasil

In energia on 01/03/2010 at 00:30

Por Ronaldo Bicalho

Neste texto são apresentados dois cenários sobre as perspectivas para o investimento no sistema produtivo Energia no Brasil (*). Um cenário denominado de “possível”, que contempla o médio prazo (2012), e outro denominado “desejável”, que contempla o longo prazo (2022). O primeiro considera a continuidade dos ambientes regulatório, econômico e institucional. O segundo leva em conta uma situação ótima em termos das mudanças que seriam desejáveis nesses ambientes. Se o primeiro é um prolongamento da situação atual, o segundo representa a superação dos desafios e o aproveitamento das oportunidades existentes.

As perspectivas de curto prazo para o investimento no sistema produtivo energia (2012)

No setor de petróleo, a expansão se dará basicamente a partir dos investimentos da Petrobras, que apresentam uma tendência de aumento significativo de patamar. Enquanto o histórico de investimentos, desde 1954 até 2007, totaliza, em termos reais, US$ 222,9 bilhões, as previsões de inversões para o período 2009-2013 alcançam US$ 174,4 bilhões; destacando-se o segmento de E&P com um aumento de mais de 100% em comparação aos valores de 2007.

A questão relevante, em função da atual crise, é a forma de financiamento da Petrobras para viabilizar esses investimentos.

Nesse sentido, o que se observa de imediato é a necessidade de uma elevação dos recursos de terceiros para financiar os atuais investimentos. No caso específico, aportes do BNDES. Já que a capitalização via mercados de capitais, neste momento, apresenta dificuldades relevantes.

Contudo, considerando que a Petrobras pode ser um instrumento importante no conjunto de políticas anticíclicas do Governo Federal, pode-se esperar que não serão medidos esforços não somente para dar continuidade como, sobretudo, para imprimir mais pujança à tendência de investimentos no setor no horizonte do “cenário possível”. O que aumenta a probabilidade desses investimentos serem, em grande parte, realizados.

No setor de gás repete-se o protagonismo da Petrobras nos investimentos. Esses investimentos estão orientados pelo PLANGAS – Plano de Antecipação da Produção de Gás Natural – e são premidos pelo contexto de escassez de oferta. Nesse sentido, espera-se que as metas desse plano sejam alcançadas. As questões relacionadas às dificuldades do financiamento do investimento da Petrobras no setor de gás são as mesmas daquelas apresentadas nos parágrafos anteriores para o setor de petróleo.

No caso do setor elétrico, devido às suas especificidades – planejamento da expansão com antecedência -, muitas das questões relativas ao cenário possível já estão parcialmente equacionadas. Na medida em que a expansão significativa é decidida através dos mecanismos de leilão, os contratos relativos a essa expansão já estão firmados. Neste sentido, a questão suscitada pela crise diz respeito às dificuldades enfrentadas pelos detentores desses contratos em obter financiamento. Na medida em que parte desses financiamentos é sustentada pelo BNDES, as incertezas se resumem àqueles empreendimentos associados às térmicas a óleo, de menor porte e sem cobertura do BNDES.

Cabe ainda lembrar que no caso do setor elétrico não se deve esquecer a presença de empresas estatais importantes, tanto no âmbito do governo federal – Eletrobrás, Furnas, Chesf, Eletrosul e Eletronorte, quanto no âmbito estadual – Cemig e Copel. Essas empresas, assim como no caso da Petrobras, se prestam a funções importantes no contexto de uma política anticíclica, e, portanto, constituem um mecanismo efetivo de mobilização de recursos para enfrentar a crise.

No caso do biocombustível, a situação apresenta-se um pouco distinta daquela observada nos outros setores, devido à ausência de elementos estruturantes de políticas anticíclicas, como é o caso da Petrobras no petróleo e no gás, e da forte coordenação institucional na eletricidade.

Em função disto, no caso do setor de biocombustível é possível uma redução na forte tendência de expansão, face à diminuição do ritmo de investimento observado até o momento da crise; principalmente no caso do etanol. No caso do biodiesel, face ao seu forte caráter institucional, é possível imaginar que a tentativa de se manter o ritmo da expansão tenha alguma possibilidade de sucesso.

Em síntese, a forte presença de estatais no sistema produtivo energia no Brasil, tanto no setor de petróleo e gás quanto de eletricidade, associada à existência de um forte banco de desenvolvimento – BNDES -, criam boas condições para a mobilização dos recursos necessários ao enfrentamento da crise, mediante a sustentação dos investimentos na expansão prevista desse sistema produtivo.

As perspectivas de longo prazo para o investimento no sistema produtivo energia (2022)

No setor de petróleo, considerando o horizonte de 2022, admite-se que este seja o cenário relevante para descrever a operacionalização da produção petrolífera do pré-sal. Assim, assumindo a ausência das restrições que estão presentes no curto e médio prazos, define-se, portanto um cenário desejável para o qual se pretende examinar um conjunto de questões.

As perspectivas apontam que a produção de petróleo da Petrobras alcance em 2020 3,9 milhões de barris dia, sendo 1,8 Mbd advindos do pré-sal; ou seja, 46%. Se somarmos a produção esperada das outras empresas, 1,1 Mbd, o setor de petróleo brasileiro chegaria em 2020 produzindo cinco milhões de barris dia; sendo que em 2007, esse valor não chegava a 2 milhões.

Dessa forma, o objetivo estratégico do setor petrolífero brasileiro é simplesmente mais que dobrar a produção nacional no horizonte em tela.

No período que vai de 2014 até 2020 serão gastos US$ 82,5 bilhões no desenvolvimento da produção do pré-sal.

Neste cenário, espera-se um retorno às condições normais de financiamento do setor, e da Petrobras, aos parâmetros anteriores à crise, como, por exemplo, o de 2007. Neste caso, esperar-se-ia um menor grau de endividamento e, para a parcela financiada com recursos externos à empresa, uma maior relevância dos financiamentos via mercado de capitais e sistema bancário, em detrimento dos financiamentos com recursos públicos (via BNDES).

Supondo que todos os entraves e desafios financeiros atualmente presentes sejam superados e as inversões financeiras sejam viabilizadas, o Brasil chegaria em 2020 com um excedente de dois milhões de barris/dia; considerando uma demanda estimada de três milhões de barris/dia.

Nesse caso, seria colocada para o país uma escolha sobre o que fazer com esse excedente: exportar o óleo bruto ou exportar os derivados. A escolha pela opção de exportação de derivados é indiscutivelmente melhor do ponto de vista econômico, ao assegurar maior valor agregado à atividade produtiva do setor petrolífero como um todo, e para a economia nacional, por consequência. Mas se por um lado esta opção é a mais atrativa, a sua escolha depende, todavia, de outro aspecto relevante que é a expansão da capacidade de refino do país.

Essa questão colocaria um desafio para a atividade de refino no Brasil: equacionar quantidade e qualidade, no sentido de aumentar a produção de derivados leves vis-à-vis o aumento do volume processado de petróleo pesado nacional, o que implicaria a necessidade de aumento da capacidade de refino, considerando o aumento da participação do petróleo nacional como carga processada. E dependendo da escolha anterior, realizar essa expansão mirando não apenas o mercado nacional, mas também a possibilidade de exportação de parte da produção.

De acordo com o planejamento estratégico da Petrobrás, o parque de refino chegaria a 2020 com uma capacidade de 3,47 milhões de barris diários; para uma demanda estimada de três milhões de barris/diários. Portanto, a possibilidade de exportação de derivados se colocaria como algo possível neste horizonte.

No setor de gás, com as descobertas do pré-sal, as expectativas sobre a oferta doméstica desse energético, em 2022, saltaram de 129 milhões de metros cúbicos por dia para 170 milhões de metros cúbicos por dia. A demanda estimada para esse ano é de 175 milhões de metros cúbicos por dia. Cabe lembrar que o GASBOL permite a importação de 30 Mm3dia da Bolívia. Esse conjunto de fatos configuraria uma mudança significativa do contexto do setor de gás brasileiro, que seria a superação da situação de escassez de oferta, que se tem hoje.

Nesse contexto, a forma de monetização do gás do pré-sal adquire relevância. Se a solução contemplada for a liquefação do gás em plantas embarcadas, cria-se a possibilidade de exportar diretamente este gás ou utilizá-lo no país. Se o tratamento dado a esta questão privilegiar a exportação, transformando o gás nacional em uma commodity internacional, o preço doméstico passaria a ter como referência o preço internacional.

Se, por um lado, isso transforma a Petrobras em um grande player no mercado de GNL, por outro, torna mais difícil a utilização do gás natural como um fator gerador de vantagens competitivas para o setor industrial.

No caso do setor elétrico, espera-se que o Brasil chegue em 2022 com uma capacidade instalada de geração de 160 GW; hoje tem cerca de 100 GW. A hidroeletricidade continuará a exercer papel expressivo no setor elétrico, porém tendendo a uma participação menor do que a atual. Entretanto, com maior número de hidrelétricas a fio d’água, as usinas térmicas não podem mais ser consideradas complementares ao sistema, ao contrário passarão a ser essenciais ao sistema.

A perspectiva de aumento da participação do gás natural na matriz se concretiza, o que tornará ainda mais importante a coordenação entre os setores de gás e de energia elétrica.

Além disso, cresce a importância na matriz elétrica dos novos renováveis como energia eólica e biomassa, que totalizarão 6% em 2020; o que significa que as tecnologias para utilização destas fontes já terão se tornado mais competitivas.

Por outro lado, a tendência ao crescimento dos investimentos em longas linhas de transmissão em corrente contínua para aproveitamento do potencial hidrelétrico da região amazônica e o aumento da participação das térmicas, tornarão o sistema de transmissão maior e mais complexo, exigindo maior preparo técnico do operador do sistema.

Por sua vez, o aumento da presença de fontes renováveis intermitentes, como energia hidrelétrica de fio d’água e eólica, passa a exigir a maior presença de térmicas de back-up para garantir o fornecimento de eletricidade, principalmente em épocas com baixa hidraulicidade e ventos pouco favoráveis.

Do ponto de vista dos gargalos a novos investimentos, o mais significativo é o ambiental, que exige o equacionamento em duas frentes. Primeiramente, há a perspectiva que tais conflitos sejam solucionados no âmbito das relações entre as instituições responsáveis pelas políticas energética e ambiental. E, além disto, a diversificação da matriz e o aumento da participação de novas fontes renováveis, como energia de biomassa, eólica e fotovoltaica, por exemplo, tendem a abrir espaço para maior poder de barganha dos responsáveis pela política energética em relação àqueles responsáveis pela política ambiental. Porém, a resolução de tais conflitos exigirá o aperfeiçoamento nos mecanismos de coordenação inter-institucionais.

No campo específico da organização do mercado e do papel das empresas, três questões são importantes: o papel da ANEEL no estabelecimento de limites à concentração dos mercados sem, entretanto, reduzir a intenção das firmas em realizar novos investimentos; a definição de um design para o mercado livre que seja coerente; a definição da internacionalização das empresas brasileiras, em particular da Eletrobrás, e o aprimoramento dos mecanismos de coordenação internacional necessários à sustentação desse movimento.

Nesse sentido, o setor elétrico é aquele que demanda a maior mobilização de recursos institucionais para viabilizar a expansão e os investimentos previstos no horizonte de 2020.

No setor de biocombustíveis, a questão fundamental da sua expansão no longo prazo está ligada ao desafio da sua inserção internacional. Nesse sentido, a viabilização dessa inserção depende da emergência e da entrada no mercado ao longo dos próximos 20 anos de novas gerações de biocombustíveis, aqui denominados biocombustíveis avançados.

Considerando a dinâmica tecnológica e de inovação em biocombustíveis, a condição central dos investimentos em longo prazo é a inserção da indústria brasileira nessa futura indústria de biocombustíveis.

O grande desafio dessa inserção é a constatação de que a competitividade atual da indústria brasileira de etanol não assegura automaticamente o papel que o país deseja ocupar na indústria futura.

A superação desse desafio envolve uma abordagem centrada na inovação, mais especificamente na competição pelas soluções tecnológicas em uso energético e químico à biomassa. No entanto, o exame dos esforços tecnológicos brasileiros na perspectiva da indústria de biomassa do futuro sugere que, tanto do ponto de vista das estratégias das empresas (produtores de etanol e PETROBRAS principalmente) quanto das políticas publicas de ciência, tecnologia e inovação, tem sido privilegiado um enfoque de curto prazo e de intensidade tecnológica bem diversos do que parece ser a dinâmica tecnológica e de inovação nos principais países envolvidos.

Essa questão merece ser vista com atenção na medida em que o Brasil é, e ambiciona continuar sendo, um protagonista na indústria de biocombustíveis.

Nesse sentido, as questões-chave do investimento no longo prazo se relacionam às seguintes possibilidades: dos biocombustíveis se tornarem um setor com maior nível tecnológico; da busca de produtos mais abrangentes como aproveitamento mais largo da biomassa; da vantagem competitiva passar a se basear nas novas tecnologias; da cana-de-açúcar passar a ter papel relevante como matéria-prima nobre das tecnologias de biomassa.

Em síntese, os investimentos de longo prazo devem ser calcados na ótica da inovação e do desenvolvimento de novas matérias-primas, novas tecnologias e novos produtos para sustentar a posição competitiva brasileira e buscar uma posição de protagonista na indústria de aproveitamento da biomassa do futuro.

Observando esse conjunto de questões associadas às perspectivas de longo prazo do investimento no sistema produtivo energia, pode-se afirmar que, em termos de garantia do suprimento energético, esse sistema tem condições de atender aquilo que o país espera dele; ou seja, a energia necessária para o desenvolvimento econômico e o bem-estar da sociedade brasileira.

A questão em aberto está associada justamente àquele movimento que transcende essa garantia e envolve a inserção do país como um grande player internacional no mundo da energia.

Para essa inserção a mobilização de recursos é maior e mais qualificada do que a garantia de suprimento para o mercado nacional. Isto não significa que a arregimentação de recursos para alcançar essa garantia seja de pouca monta, porém, um novo papel na esfera internacional exige um posicionamento qualitativamente distinto. Nesse sentido, o setor de biocombustíveis é emblemático desse desafio qualitativo, em contrapartida, o setor de petróleo representa muito bem as nossas possibilidades de superá-lo.

(*) Este texto constitui o capítulo 7 da Nota Técnica sobre o sistema produtivo Energia, apresentada no contexto do projeto Perspectiva do Investimento no Brasil (PIB), cujo principal objetivo é estudar as perspectivas de longo prazo do investimento na economia brasileira.

Financiado pelo BNDES e realizado por uma equipe de pesquisadores ligados a diversas instituições de ensino e pesquisa do país, capitaneados pela UFRJ e pela UNICAMP, o PIB teve início em julho de 2008 e encontra-se em fase de conclusão.

Para acessar a Nota Técnica sobre Energia, clique aqui.

Para acessar o site do projeto, clique aqui.

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Leia outros textos de Ronaldo Bicalho no Blog Infopetro

  1. Caro Prof Bicalho,

    Parabenizo pela iniciativa do blog!

    Gostaria de salientar que, apesar do esforço do BNDES em patrocinar todos os investimentos do setor de energia no Brasil, essa instituição ainda não dispõe de recursos suficientes para poder financiar toda a expansão desejada.

    Há que se criar mecanismos de participação do setor financeiro privado, nacional e internacional, assim como emissões externas dos investidores para se poder alcançar toda a quantidade de recursos necessários.

    Tais mecanismos são importantes não só para a a indústria de energia como um todo, mas para que também o setor financeiro privado seja também um vetor de desenvolvimento para o país, saindo das amarras atuais de expansão do crédito de curto prazo para as famílias.

    Concluindo, apesar de achar que o setor financeiro privado não está maduro o suficiente para financiar os investimentos em infra estrutura de longo prazo necessários ao país, contudo há que se criar condições para que tal agente, de vital relevância, possa ser incluído no bojo de tais desafios. Isso inclui também instituições bancárias estatais que atuam no setor privado, como o BB e a CEF.

    Um grande abraço,

    Paulo Squariz

    • Prezado Paulo,

      É um prazer reencontrá-lo. Com relação aos desafios da incorporação do setor privado à expansão da infraestrutura energética, o texto seguinte neste blog, do Edmar, tem uma boa discussão sobre o tema.

      Um grande abraço e sigo aguardando aquela tese sobre riscos no setor elétrico.

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