Grupo de Economia da Energia

Posts Tagged ‘crise do setor elétrico’

A tragédia de uma agenda ruim

In energia elétrica on 23/02/2022 at 11:41

Ronaldo Bicalho

Como dizia Mário Henrique Simonsen, “formulado de maneira correta, o problema mais difícil do mundo um dia será resolvido. Formulado de maneira incorreta, o problema mais fácil do mundo jamais será resolvido”.

Ter uma boa agenda é fundamental para resolver os problemas. Uma boa agenda organiza, direciona e seleciona os recursos necessários ao enfrentamento adequado dos problemas, nos aproximando pari passu das soluções, acumulando experiências em um processo de aprendizado fundamental na resolução de questões complexas.

Ao contrário, uma agenda ruim torna mais difícil encontrar as soluções dos problemas. Uma agenda ruim desorganiza, tira o foco e desmobiliza os recursos necessários ao enfrentamento dos problemas reais, nos distanciando das soluções, acumulando erros em um processo de emburrecimento trágico.

O problema fundamental do setor elétrico brasileiro hoje é ter uma agenda ruim. Uma agenda que não só nos afasta do equacionamento das questões reais do setor, mas também desorganiza, desorienta e desestrutura os recursos necessários ao enfrentamento dos efetivos e gigantescos problemas estruturais do setor elétrico brasileiro.

Uma boa agenda seleciona os problemas e as formas de resolvê-los. Então, comecemos por aí. Qual é o problema?

Qual o problema do setor elétrico no mundo hoje?

O problema central do setor elétrico no mundo hoje é a transição energética. É abandonar a matriz elétrica baseada nos combustíveis fósseis e adotar uma nova matriz sustentada pelas novas fontes de energia renováveis (basicamente, solar e eólica). Esse abandono não é movido por forças endógenas ao setor, mas por fatores que se encontram fora dele e se concentram na urgência do enfrentamento do aquecimento global e, portanto, na premência da redução da queima dos combustíveis fósseis.

Dadas as diferenças existentes entre os atributos técnico-econômicos dos combustíveis fósseis e das energias renováveis, a transição de uma matriz fóssil para uma matriz renovável envolve desafios gigantescos de natureza tecnológica, econômica, organizacional, regulatória e político-institucional.

No momento, essa transição é um processo indeterminado e aberto, pleno de riscos, incertezas e tensões.

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De pipocas, mercados de capacidade e privatização da Eletrobras

In energia elétrica on 14/02/2022 at 11:28

Ronaldo Bicalho

Depois de quase quarenta anos estudando o setor elétrico, eu diria que complexidade é a palavra que melhor define essa atividade econômica essencial para o desenvolvimento e o bem-estar da sociedade.

Dados os atributos técnicos, econômicos, políticos e sociais do produtos energia elétrica e dos processos que a geram, transmitem, distribuem e consomem, não é simples avaliar os impactos das ações/decisões individuais sobre o sofisticado sistema que entrelaça processos, agentes econômicos, políticos e sociais em uma teia de interdependências radicais e profundas  que não é encontrada em nenhuma outra atividade econômica.

Em outras palavras, não é fácil entender o que se passa em um setor elétrico. Pelo contrário, essa é uma tarefa difícil, penosa e, voilà, complexa.

Por isso, meu caro leitor, se você tem dificuldades de entender o que se passa, de fato, nesse setor, relaxe pois nem mesmo aqueles que trabalham no setor entendem. Não há especialistas no setor elétrico. Existem indivíduos que conhecem parte do setor e que raramente vão além das suas especialidades.

Aqui encontramos o melhor exemplo da parábola indiana  dos cegos e o elefante na qual cada cego toca uma parte diferente do corpo do elefante e o descreve com base em sua própria e limitada experiência.

Verdades absolutas baseadas em experiências limitadas e subjetivas é o que mais se encontra no setor elétrico. Principalmente, quando as instituições, o único espaço no qual as experiências podem ser somadas a partir de uma perspectiva coletiva de enfrentar essa “elefantídeca” complexidade, se desmancham e passam a vigorar o curto prazo e as agendas individuais, que são as melhores conselheiras para os grandes desastres setoriais. Desastres que em geral resultam da combinação de ignorância e má-fé.

Já encontrei situações em que uma certa burrice denota mais uma má-fé esperta do que uma ignorância real. Porém, os anos me ensinaram que o exercício da burrice, mesmo que movido pela esperteza, torna as pessoas mais burras e não o contrário. Assim, a esperteza conjuntural vai se transformando em burrice estrutural. Essa última é grave e não tem cura.

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O setor elétrico brasileiro escolhe o seu jogo: Guardiola ou Waldemar

In energia elétrica on 27/01/2022 at 12:36

Ronaldo Bicalho

Se pudéssemos por alguns instantes abstrair a pesada complexidade envolvida nas relações do setor elétrico e vê-las como o desenrolar de uma simples partida de futebol, poderíamos entrever alguns elementos fundamentais da estruturação desse jogo complexo, mas fascinante. Se você conseguir fazer isso, meu caro leitor, irá entender a grande encruzilhada e as escolhas decisivas que estão colocadas diante de nós.

Para atender o crescimento explosivo da demanda colocada pela industrialização e urbanização do País, o Brasil montou, a partir dos anos 1930s, um time excepcional para ampliar a oferta de energia elétrica que desse conta desse crescimento.

Para isso buscou-se a energia presente nos nossos rios e quedas-dágua. Essa escolha garantiu uma fonte barata e abundante de energia. Porém, essa escolha carregava um problema. O que fazer quando o clima não fosse generoso e tivéssemos secas fortíssimas. Em suma, como lidar com a falta de chuva. Em termos técnicos, como reduzir a nossa exposição ao risco hidrológico.

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A crise do setor elétrico brasileiro: a marcha da insensatez

In energia elétrica on 18/03/2019 at 17:57

A crise atual do setor elétrico foi diligentemente construída ao longo do tempo. Entender essa sucessão de decisões equivocadas que nos trouxe até aqui é fundamental para reconhecer a natureza estrutural dessa crise, os enormes desafios que ela coloca e a absoluta inadequação das propostas governamentais colocadas na mesa para resolvê-la.

Os elementos cruciais para a reconstrução do setor elétrico brasileiro

In energia elétrica on 14/02/2019 at 12:22

Por Ronaldo Bicalho

O momento atual do setor elétrico brasileiro é marcado pela irreversível exaustão do modelo tradicional no interior do qual ele se desenvolveu. O desafio colocado por essa ruptura radical da trajetória elétrica brasileira impõe a configuração de um novo setor elétrico assentado em bases distintas daquelas que sustentaram materialmente o desenvolvimento da energia elétrica no País.

Em outras palavras, é necessário reinventar o setor elétrico brasileiro a partir de uma nova fundação que seja capaz de sustentar uma nova trajetória evolutiva para essa atividade, de forma a alavancar o desenvolvimento econômico e o bem-estar da sociedade.

Para isso, é preciso desenhar um esboço mínimo que reúna os elementos essenciais para a estruturação desse novo setor elétrico.

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Aguardando o incêndio

In energia elétrica on 19/09/2018 at 00:15

Por Roberto Pereira d´Araujo

araujo092018Por incrível que pareça, há certos dilemas brasileiros que exigem um retorno ao básico da geografia. Portanto, permitam-me lembrar que latitude terrestre é a medida do ângulo na superfície da terra medida a partir do equador: zero no equador e 90º nos polos. Qual é o território com maior diferença de latitude? É o Brasil, que do ponto mais ao norte até o mais ao sul tem 39º. A Rússia é o segundo colocado com 36º. Esse nosso ângulo de latitude significa 4.000 km norte-sul, cerca de 20% da distância entre os dois polos! Pouca coisa? Só uma curiosidade? Óbvio que não. Por conta dessa “liderança”, temos quatro tipos de clima. O equatorial úmido no Norte, o tropical no Sudeste e Centro-oeste, o tropical semiárido no Nordeste e o subtropical úmido no Sul.

Como o Brasil é líder mundial em recursos hídricos, a nossa base hidroelétrica sempre foi uma obviedade, mesmo com algumas desvantagens, pois temos hidrologias com grandes variações. Nas vazões anuais dos rios do Sudeste, é possível ter diferenças de 3 para 1. Ou seja, um certo ano pode ter vazões o triplo de outro ano. No Sul essa diferença chega a ser de 8 para 1. Essas incertezas, felizmente, não são coincidentes. Quando não chove numa região, por sorte, chove em outra. Continue lendo »

A crise do setor elétrico é estrutural

In energia elétrica on 16/05/2018 at 18:29

Por Ronaldo Bicalho

bicalho052018O setor elétrico brasileiro tem um problema definitivo e grave: o esgotamento do seu modelo tradicional de operação e expansão.

Nesse modelo, baseado na exploração do nosso generoso potencial hidrelétrico, os reservatórios jogaram um papel crucial na regularização das vazões dos rios e, portanto, na redução da exposição das usinas hidrelétricas ao risco hidrológico de não chover o suficiente e, em consequência, não se ter a água necessária para gerar a energia elétrica desejada.

A partir do momento em que fatores técnicos, ambientais, sociais e políticos passaram a restringir a construção de novos reservatórios, a redução da capacidade de regularização e, em consequência, a crescente exposição ao risco hidrológico passaram a fazer parte da agenda de problemas estruturais do setor elétrico brasileiro.

A perda de capacidade de coordenação, advinda do processo de fragmentação institucional iniciada pelas reformas dos anos 1990s, e o peso cada vez maior da intermitência na geração, via a crescente participação das novas fontes renováveis (eólica e solar) e das novas usinas hidrelétricas a fio de água (sem reservatório), aceleraram a deterioração do modelo. Continue lendo »

O setor elétrico brasileiro fora de tempo e lugar

In energia elétrica on 29/09/2017 at 00:46

Por Ronaldo Bicalho

bicalho09207A definição de uma agenda para o setor elétrico brasileiro passa por três movimentos básicos:

Em primeiro lugar, é necessário inserir essa agenda no contexto das grandes transformações estruturais que definem o momento atual do setor elétrico no mundo.

Em segundo lugar, é preciso situar essa agenda no quadro de esgotamento do modelo de operação/expansão do setor elétrico brasileiro baseado na exploração do potencial hidráulico via construção de grandes reservatórios.

Em terceiro lugar, é imprescindível articular as duas agendas representadas pela transição elétrica mundial e pela transição elétrica brasileira, de maneira a estabelecer um horizonte de possibilidades que incorpore as amplas oportunidades abertas pela reestruturação mundial da indústria elétrica em direção às renováveis.

Tanto a transição mundial quanto a brasileira partem do esgotamento das suas bases de recursos naturais tradicionais. Esse esgotamento é gerado fundamentalmente por pressões de caráter político institucional que se traduzem nas restrições ao uso dos combustíveis fósseis e à construção de usinas hidrelétricas com reservatórios. Essas limitações nascem, respectivamente, da necessidade de mitigar os efeitos da mudança climática e de reduzir os impactos socioambientais locais da construção dessas grandes barragens, principalmente na região amazônica. Continue lendo »

Questões centrais para a readequação do modelo institucional do setor elétrico Brasileiro

In energia elétrica on 28/09/2016 at 17:34

Por Luciano Losekann e Diogo Lisbona Romeiro

luciano092016A crise dos últimos 3 anos evidenciou a inadequação do modelo do setor elétrico brasileiro. Nesse período, os preços finais e de geração de eletricidade aumentaram significativamente, houve dificuldades de viabilizar empreendimentos de geração e transmissão e as receitas das distribuidoras descolaram de seus custos. Impulsionada pela mudança de governo, uma nova reforma do setor elétrico brasileiro vem sendo gestada. A chamada P&D Estratégico número 20 da Aneel, lançada em julho de 2016, vai subsidiar a elaboração da reforma setorial.

Nesse momento de mudanças, é interessante avaliar os aspectos do modelo setorial que devem ser alterados e os que devem ser mantidos. É preciso levar em conta que a reforma setorial vai ocorrer em momento de redefinição estrutural do setor elétrico em âmbito global. A indústria de eletricidade vem passando por uma transição, com a penetração de fontes renováveis intermitentes e novas formas de geração e estocagem de energia. Como aponta Green e Stafel (2016), o setor elétrico passa por sua maior transformação desde a sua invenção e essa ruptura é causada pela difusão de tecnologias que não são necessariamente superiores às anteriores, em termos de custo e de conveniência para o uso. As mudanças institucionais no Brasil devem considerar essa transformação setorial para evitar distorcer o processo de transição tecnológica.

Essa postagem analisa dois elementos cruciais para os rumos futuros do setor elétrico brasileiro e que vêm sendo discutidos no âmbito da nova reforma do setor: o avanço da liberalização da comercialização de eletricidade e o novo papel das termelétricas a gás natural. Continue lendo »

O setor elétrico brasileiro jogando xadrez

In energia elétrica on 29/08/2016 at 10:48

Por Renato Queiroz

renato082016O setor elétrico brasileiro nos últimos anos vem driblando o fantasma do apagão. A crise econômica evitou tal situação, pois o consumo de energia elétrica arrefeceu. Mas quando a economia brasileira se recuperar, o sistema elétrico será novamente bem solicitado.

O Operador Nacional do Sistema Elétrico, ONS, revisa periodicamente as previsões da carga do SIN – Sistema Interligado Nacional -, que é o montante de energia requisitado pelo sistema elétrico em um determinado período de tempo, medido em megawatt médio. Juntamente com a Empresa de Pesquisa Energética – EPE – de 4 em 4 meses é divulgado um Boletim de acompanhamento e de previsão para os próximos 4 anos.

O último Boletim é de início do mês de agosto corrente. O documento indica que a carga de energia de janeiro a julho de 2016, comparativamente ao mesmo período de 2015, aumentou em 0,6%. Ou seja, embora não tenha crescido como era previsto anteriormente, não houve a queda como muitos imaginavam. E a recuperação do consumo certamente ocorrerá e pode até ser mais rápida do que os mais conservadores imaginam.

As temperaturas elevadas nos subsistemas Sudeste/Centro-Oeste e Sul e as baixas temperaturas na região sul, em junho, fizeram a carga crescer. O uso de aquecedor e de ar-condicionado pelas residências já levou a uma solicitação maior de eletricidade pela população, mesmo com o crescimento negativo do segmento industrial e do comercial. Se esses segmentos retomarem fortemente as suas atividades, terá que haver oferta de energia. No que se refere às previsões para os próximos 4 anos, considerando o ano de 2016, o crescimento médio anual previsto da carga de energia é  de 3,7% ( ONS/EPE 2016). Continue lendo »

O setor elétrico brasileiro e suas incertezas

In energia elétrica on 05/10/2015 at 00:15

Por Renato Queiroz

renato102015No setor elétrico brasileiro a distinção entre crises no passado e no presente é apenas uma ilusão teimosamente persistente.

A geração de energia elétrica no Brasil foi estruturada com base em usinas hidroelétricas, aproveitando a situação privilegiada do país com grandes rios de planalto, abastecidos por abundantes chuvas tropicais. Hoje, a matriz de capacidade instalada de energia elétrica é bem mais diversificada, mas tem, ainda, a fonte hidráulica participando com mais de 65% (Figura 1).

 Figura 1 – Matriz de capacidade instalada de energia elétrica.

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FONTE: MME – Boletim Mensal de Monitoramento do Sistema Elétrico Brasileiro de julho de 2015

Para escoar toda essa produção de energia elétrica das centrais geradoras aos centros de consumo, uma grande malha de transmissão foi sendo construída bem como inúmeras subestações. O sistema elétrico brasileiro hoje tem 126.652 km de linhas de transmissão instaladas (Figura 2). Continue lendo »