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Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) 2019: trajetórias principais

In energia on 07/06/2010 at 00:30

Por Luciano Losekann

No início de maio, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) divulgou o Plano Decenal de Expansão de Energia no horizonte 2019 (PDE 2019). Esse documento descreve o planejamento do setor energético brasileiro, sendo possível identificar as principais trajetórias da oferta e demanda de energia e as diretrizes de política energética do país.

Como não poderia ser diferente, o principal destaque do PDE 2019 é o incremento da produção de petróleo e gás natural, decorrente do aproveitamento das reservas do pré-sal. Esse fator irá transformar o segmento de energia no Brasil. Também são destaques, (i) o forte crescimento do consumo de energia no país, (ii) a concentração da expansão do parque de geração em hidrelétricas e fontes alternativas; (iii) a redução de expectativas quanto à produção e exportação de etanol.

As premissas macroeconômicas contidas no PDE 2019 resultam em crescimento do PIB na taxa de 5,1% ao ano, um ponto percentual acima da projeção do PIB mundial. Como considera uma elasticidade renda superior a um, o PDE 2019 projeta que o consumo final de energia irá crescer a uma taxa de 5,9% a.a.

Nos primeiros cinco anos de projeção (2010-2014), a elasticidade alcança 1,36, o que representaria uma inflexão na trajetória de redução da elasticidade renda do consumo de energia no Brasil, que foi unitária nos últimos cinco anos[1]. O documento justifica essa evolução pelo aquecimento da atividade econômica em segmentos da indústria fortemente intensivos em energia (siderurgia, alumínio, papel e celulose, refino de petróleo e fertilizantes).

Para efeitos de comparação, o panorama de longo prazo do Departamento de Energia dos Estados Unidos (DOE) para os dados mundiais de energia (IEO 2010), que também foi divulgado em maio, projeta uma taxa de crescimento anual do consumo de energia de 1,4% (0,3% a.a. para países da OCDE e 2,3% a.a. para países não pertencentes a OCDE) em período semelhante (2008-2020). Ou seja, o consumo brasileiro de energia cresceria em taxas muito superiores ao resto do mundo.

A participação das fontes fósseis de energia no total consumido praticamente não se altera no período. É projetado um forte crescimento do consumo de gás natural (10,1% a.a.) e de carvão mineral e coque (10,2% a.a.). Entre as fontes renováveis, álcool etílico e biodiesel apresentam altas taxas de crescimento, 8,8% a.a. e 9,8% a.a. respectivamente.

Ainda que os derivados de petróleo tenham sua participação reduzida no período, a taxa de crescimento (4,3% a.a.) é significativa. A projeção do DOE para o crescimento do consumo de derivados do petróleo é de apenas 0,5% a.a. (-0,4% a.a. para países da OCDE e 1,6% a.a. para o resto do mundo).

Entre os derivados, é previsto crescimento acentuado do consumo de diesel e óleo combustível, 6% e 5,1% a.a. respectivamente. Como o PDE 2019 considera que o álcool será mais competitivo para abastecer automóveis bicombustíveis, o consumo de gasolina sofre redução (-1,9%).

Figura 1 – Evolução da Estrutura do Consumo Final de Energia 2010-2019 (%)

Fonte: EPE, PDE 2019.

É interessante destacar que o consumo de eletricidade apresenta ritmo de crescimento (5,1% a.a.) menos intenso que o total das fontes energéticas. Essa tendência contrasta com o esperado, já que em economias mais desenvolvidas a eletricidade deve ampliar sua participação no total de energia consumida.

Na geração de eletricidade, é possível perceber um componente claro da política energética brasileira para os próximos anos: a preferência pela expansão hidrelétrica. Até 2013, a expansão da geração de eletricidade é determinada pelos resultados dos leilões de energia nova que já foram realizados. Assim, a capacidade de geração termelétrica cresce nesse período, sendo que as centrais a óleo combustível apresentam forte incremento de capacidade. A partir desse horizonte, somente centrais hidrelétricas e de fontes alternativas são contempladas no planejamento. A expansão da geração nuclear se resume à construção de Angra III. A política de diversificação da matriz de geração, que foi um objetivo de política energética nas duas últimas décadas, não orienta mais o planejamento setorial. Assim, a participação da capacidade de geração hidrelétrica voltará a crescer a partir de 2014.

Figura 2 – Projeção da Expansão do Parque Gerador de Eletricidade 2010-2019

Fonte: EPE, PDE 2019.

Figura 3 – Composição do Parque Gerador de Eletricidade (2010, 2014 e 2019)

Fonte: EPE, PDE 2019.

Como o potencial hidrelétrico remanescente se localiza na região Amazônica, o PDE 2019 indica a construção de um conjunto de centrais na região. Além das centrais já leiloadas, nos Rios Madeira (Santo Antônio e Jirau) e Xingu (Belo Monte), são planejadas centrais de grande porte nos Rios Tapajós, Teles Pires e Jamanxim. Podemos considerar que os esforços do governo brasileiro para viabilizar o leilão de Belo Monte decorreram da necessidade de garantir que o processo de utilização dos aproveitamentos hidrelétricos na Amazônia não seria descontinuado.

Conforme destacado no documento, a efetivação da expansão planejada dependerá do sucesso no licenciamento ambiental desses projetos. Em caso de insucesso ou atraso, centrais termelétricas serão necessárias para atender à demanda projetada. É interessante salientar que as centrais alimentadas a óleo que participaram dos leilões nos últimos anos não estavam presentes no planejamento.

Outro ponto relevante a destacar é que as usinas da Região Norte, para evitar impactos ambientais, não contarão com reservatórios expressivos. Assim, a capacidade de armazenagem de energia em reservatórios em relação à demanda de eletricidade diminuirá nos próximos anos. Isso significa que, mesmo com a redução de participação, as usinas termelétricas terão papel crescente na complementação da geração hidrelétrica em períodos secos.

O crescimento da produção de petróleo e gás natural, como resultado do aproveitamento dos recursos do pré-sal, é o grande destaque do PDE 2019. No período, a produção de petróleo crescerá a uma taxa de 10% a.a. Em 2019, segundo as projeções, o Brasil produzirá 5,1 milhões de barris por dia, metade proveniente de campos do pré-sal. Considerando o cenário de referência do DOE para a produção de petróleo em 2020, o Brasil seria 4o maior produtor de petróleo do mundo (após Arábia Saudita, Rússia e EUA)[2].

A produção de gás natural apresentará ritmo semelhante, crescendo a uma taxa de 12%  a.a. e alcançando 231 milhões de m3 diários em 2019 (40% proveniente de campos do pré-sal). A maior parte da produção de gás será de gás associado ao petróleo. Hoje esse representa metade da produção total de gás natural e representará 80% em 2019. Como a construção de infra-estrutura para aproveitar o gás natural em campos do pré-sal é muito custosa, a produção não associada não é viável.

Nessas projeções, o Brasil seria um exportador relevante de petróleo em 2019. O excedente líquido de petróleo seria de 2,2 milhões de barris por dia. Um debate recorrente nos últimos anos abordou o que fazer com o excedente de petróleo, exportar o petróleo cru ou refinar e exportar derivados.

O PDE 2019 considera dois cenários para o parque de refino brasileiro coerentes com essas possibilidades. No cenário base, somente os projetos já programados são considerados. A capacidade de processamento alcança 2,4 milhões de barris por dia em 2019. Como esse valor é inferior ao consumo projetado de derivados, o Brasil seria um exportador de petróleo cru e importador de derivados.

No cenário Premium, duas refinarias Premium (voltadas para derivados de maior valor de mercado) são construídas. A capacidade de processamento salta para 3,3 milhões de barris por dia em 2019. O Brasil não só atenderia a demanda doméstica como exportaria derivados.

É importante destacar que os dois cenários implicam em exportações significativas de petróleo cru. Mesmo no cenário Premium, a exportação de cru seria de 2,2 milhões de barris por dia (contra 2,9 Mbpd no cenário base). A diferença entre os dois cenários é comercial. No cenário Premium, o parque é adequado para refinar a produção de petróleo pesado e o petróleo mais leve é exportado, maximizando as receitas de exportação.

O PDE 2019 destaca os obstáculos para colocar montantes significativos de derivados no mercado externo. Esses mercados contam com menor liquidez, o custo de transporte é maior, os países consumidores contam com infra-estrutura de refino e o acesso à logística não é livre. Por essas razões, o parque de refino geralmente se encontra nos centros consumidores e não nos produtores.

O planejamento da produção brasileira de etanol, ainda que considere expansão significativa, reflete os acontecimentos recentes, apontando para frustração de expectativas apresentadas no plano anterior (PDE 2008-2017). A crise internacional levou ao adiamento de projetos de novas usinas e o aumento do preço do açúcar no mercado internacional deslocou a produção de etanol em 2009. A produção de etanol em 2009 (26,1 bilhões de litros) foi 7% inferior ao valor projetado. A metodologia de projeção de oferta no médio e longo prazo é passiva, a projeção se ajusta para atender o mercado doméstico e importações. Até 2019, a produção de etanol cresce a uma taxa de 7,4% a.a., alcançando 64 bilhões de litros. No entanto, comparando com a trajetória do PDE 2008-2017, há uma redução de 11% na produção projetada.


[1] No último Plano Decenal, foi considerada uma elasticidade renda de 0,94.

[2] A projeção do DOE considera que a produção brasileira alcançará 3,6 milhões de barris diários em 2020 (6o maior produtor).

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