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O balanço do vazamento de petróleo no Golfo do México

In petróleo on 23/08/2010 at 00:16

Por Thales Viegas

Passados 87 dias o vazamento de óleo no Golfo do México do poço danificado Macondo (MC-225) foi plenamente interrompido pela primeira vez no dia 15 de julho de 2010, quando a última das três válvulas do gigantesco funil foi fechada. A BP injetou lama e cimento pela boca do poço para tampá-lo. Ela ainda está terminando de perfurar a galeria auxiliar para selar (por baixo) o MC-225 por meio do poço de alívio. Após várias tentativas o desafio de vedar o poço avariado deve ser superado.

Além de danos ambientais o acidente vem causando prejuízos financeiros à empresa. A tabela abaixo resume o acidente em números. Do total de petróleo derramado apenas 20% foi recuperado, ainda que a operação de resposta tenha sido de grandes proporções como apontam os dados. A área costeira afetada abrangeu cinco estados e motivou milhares de pedidos de indenizações, além das multas que podem ultrapassar US$ 17,6 bilhões caso se comprovem as acusações de negligência grave da BP. Para fazer frente a tantas despesas, a BP provisionou um gasto de cerca de US$ 32 bilhões, o que a fez planejar a alienação de ativos na mesma ordem de grandeza, situados basicamente na América do Sul e do Norte. No segundo trimestre de 2010 a BP registrou prejuízo recorde mesmo aumentando a sua receita em 30%. Assim, a empresa informou que poderá voltar algum dia e extrair petróleo do MC-252, que era um projeto lucrativo. Acredita-se que o reservatório abaixo dele ainda contenha hidrocarbonetos avaliados em US$ 4 bilhões.

Acidente em Números Impacto Financeiro
Período do Vazamento 87 dias Gastos com Indenizações US$ 368 milhões*
Vazamento Médio/dia (barris) 60 mil Prejuízo do óleo derramado US$ 360 milhões**
Vazamento Total (barris) 4,9 milhões Gastos na Resposta US$ 6,1bilhões
Capturado /Queimado (barris) 827 mil Fundo Independente US$ 20 bilhões
Dispersantes lançados (litros) 1.850 mil Gastos Totais Provisionados US$ 32,2 bilhões
Linha Costeira Afetada 665 milhas Venda Planejada de Ativos US$ 30 bilhões
Embarcações Envolvidas 4300 Prejuízo do 2º Trim. 2010 US$ 17 bilhões
Aeronaves 72 Lucro do 2º Trim. 2009 US$ 3,1 bilhões
Pessoal envolvido 47,7 mil Receita do 2º Trim. 2009 US$ 63,4 bilhões
Pedidos de Indenização 145 mil Receita do 2º Trim. 2010 US$ 75,8 bilhões
Número de Pagamentos 103,9 mil * Valor ainda Crescente ** Barril: U$ 73,5

Fontes: Comando de Resposta ao Acidente &  BP Deepwater Horizon Oil Budget (pdf)

A crença na eficiência dos sistemas de segurança levou as petroleiras a subestimarem os riscos. Nos últimos três anos elas investiram US$ 39 bilhões para explorar novas fontes de petróleo e gás. Já os gastos em P&D ligados à melhoria da segurança, à prevenção de acidentes e às ações de resposta a vazamentos foram de US$ 60 milhões no período.

A comissão que investiga o acidente com a Deepwater Horizon apontou que o objetivo da BP era reduzir custos e poupar tempo, acelerando o término da perfuração que estava atrasada em relação ao cronograma planejado. No plano de exploração do MC-252 a BP anunciou o projeto como sendo de baixo risco, sem potencial de danos significativos ao meio-ambiente. Por um lado a BP carecia de pessoal e processos seguros, por outro é provável que os avanços tecnológicos e a menor ocorrência de grandes vazamentos no passado recente tenham criado a sensação de que a natureza estaria dominada nesse campo de conhecimento. O acidente altera as concepções na categoria probabilidade, de modo que os acidentes passam a ser tratados como cenários mais prováveis de ocorrer.

Mesmo a BP tendo um histórico recente de acidentes o CEO da BP Tony Hayward focou a redução de custos para reduzir o gap nesse item em relação à Exxon e a Shell. Entre 2007 e 2009 eliminou 7.500 postos de trabalho e em 2009 cortou custos em US$ 4 bilhões. Os orçamentos dos projetos teriam sido subestimados reforçando a dificuldade da empresa de reduzir riscos, o que lhe rendeu multas recorrentes. Ainda assim, a BP garantia ter melhorado os seus padrões de segurança. Embora os seus executivos soubessem que o número de incidentes estava crescendo, a cultura do desempenho financeiro stritu senso continuava sendo prioridade. Optou-se por reduzir custos em detrimento de certas normas prudenciais da IMP. A BP foi incapaz de aprender com os seus próprios erros de acidentes anteriores. Após o desastre a BP terá que gastar muito para reduzir o desgaste em sua imagem. Para isso o novo CEO anunciou que dará assistência ao Golfo do México durante anos e adotará uma nova cultura organizacional.

É possível traçar um paralelo entre a BP e outras petroleiras. Depois do derramamento do Exxon Valdez que teria sido causado por uma sucessão de erros de sua tripulação a empresa alterou seus processos, aumentando o nível de segurança neles envolvidos. Com a Petrobras não foi muito diferente. Após alguns acidentes nos anos 1990 e início dos anos 2000 a empresa revisou seus procedimentos. Ela aprimorou a sua capacidade de prevenção, contenção e reparação de danos envolvendo incidentes com vazamento de petróleo. A empresa teria investido R$ 4,2 bilhões em seu Programa de Excelência em Gestão Ambiental e Segurança Operacional. Aqueles acidentes teriam ocorrido num momento em que a empresa estava sendo preparada para ser privatizada. Ela tinha um quadro de trabalhadores insuficiente e passou a funcionar apenas segundo a lógica de mercado, priorizando mais o lucro. Mais adiante, a Petrobras se reestruturou, voltou a obter resultados operacionais satisfatórios sem comprometer metas financeiras. Hoje ela está entre as maiores empresas de energia do mundo, mesmo gastando mais com SMS.

Após o acidente foi anunciada a descoberta no Brasil uma maneira simples e eficiente de retirar petróleo derramado no mar e ainda aproveitá-lo. A tecnologia usa a glicerina gerada na produção de biodiesel, que transformada em pó e lançada sobre o petróleo forma uma espécie de massa plástica flutuante capaz de absorver o petróleo em uma proporção 23 vezes superior a seu peso. Após a filtragem da mistura o petróleo pode ser refinado. Também foi desenvolvido no país um novo sistema detector de vazamentos para dutos de petróleo. São instalados sensores acústicos e de vazão nos dutos que indicam imediatamente eventuais vazamentos nos mesmos. As supermajors Exxon, Chevron, Shell e ConocoPhillips também anunciaram a criação de uma join-venture para desenvolver um sistema que permita uma resposta rápida a derramamentos de petróleo e seja capaz de recolher até 100 mil barris/dia de óleo a profundidades de até três mil metros. Os investimentos iniciais estão estimados em US$ 1 bilhão e se espera que ele esteja pronto para o uso ao final de 2011. Este novo sistema será flexível, podendo ser mobilizado em 24 horas. A IMP constatou que não havia equipamento para controlar um vazamento daquele porte. As empresas buscam reconstruir a credibilidade da IMP demonstrando que é possível produzir petróleo e gás natural em águas profundas com maior segurança a partir de uma administração eficiente de riscos e SMS.

O derramamento no Golfo do México fez com que a avaliação de risco na IMP se alterasse. O risco ambiental passou a ser percebido num patamar superior, elevando os preços dos seguros e pressionando a política ambiental dos países a incorporar normas mais rígidas e restritivas que tendem a mudar as condições de exploração e produção no mundo. A construção de uma nova geração de equipamentos de prevenção e a adoção de procedimentos de segurança mais sofisticados e com redundância deverão ser incentivadas. Além disso, os limites superiores das multas podem se ampliar bastante.

Nos últimos anos o custo de exploração no segmento offshore profundo aumentou muito devido à superioridade da demanda frente à oferta de insumos, especialmente, de sondas. O acidente da BP pode ter um efeito ambíguo do ponto de vista de custos caso rebaixe a demanda por sondas, o que reduziria o valor do seu aluguel, podendo compensar em parte os aumentos nos outros itens de custo. No caso do Brasil, a exploração do pré-sal deve aumentar ainda mais a demanda por insumos pressionando os custos. Como a Petrobras será operadora única nesta área, seus procedimentos de segurança por um lado tendem a onerar a produção, independente de novas exigências ambientais, mas por outro a sua expertise em águas profundas e a contratação de sondas por longos períodos garantem a disponibilidade dos recursos para que os planos de exploração não atrasem e tenham de ser acelerados, o que seria muito arriscado. Nesse contexto, a capacidade de fiscalização da ANP precisa ser fortalecida efetivamente.

De modo geral, o acidente em tela pode adiar a explorações em novas áreas no mundo e estimular a busca por novas fontes de energias, mas as condições objetivas requeridas para que o setor energético se altere bastante não estão postas. Grande parte da demanda por petróleo ainda é rígida e pode não mudar muito nas próximas duas décadas. O acidente tende a reorientar a política energética e ambiental dos EUA estimulando a eficiência energética (tecnologias de consumo) e aumentando os subsídios às novas tecnologias de produção (especialmente de energias renováveis) bem como melhorar a regulação da exploração de petróleo offshore. Após o acidente os EUA disponibilizaram US$ 2 bilhões em financiamento para firmas de energia alternativa. Os incentivos às energias renováveis devem vir acompanhados de uma reorientação dos esforços de inovação e regulação do setor energético. Assim, é possível que biocombustíveis como o etanol e as demais energias renováveis elevem a sua participação no consumo global.

Por fim, diante da possível mudança do quadro regulatório do setor energético mundial duas oportunidades surgem para a BP. A primeira é a de aproveitar o seu pioneirismo em energias renováveis para aumentar a oferta e a rentabilidade desse seu negócio. Entre 2006 e 2009 a BP aumentou bastante as suas vendas de energia solar e a capacidade de geração eólica, além de elevar a sua posição em etanol e planejar a liderança mundial na área. A segunda oportunidade é a de reestruturar profundamente seus processos e ferramentas de controle e gestão, pois tamanha crise teria criado o ambiente requerido para a promoção de uma mutação organizacional na companhia, o que é desejável que ocorra. Como a exploração petrolífera ainda é bem mais lucrativa (e mais arriscada) do que as energias renováveis, a BP tem de reavaliar suas análises de risco-retorno. Há um trade-off entre gastar menos com segurança e lucrar mais no curto-prazo ou investir mais em segurança e reduzir os riscos de ter prejuízos elevados no futuro. Assim, uma boa gestão dos riscos operacionais envolve o investimento em tecnologias e processos que minorem a obsolescência e as falhas dos equipamentos. Como grandes acidentes geram prejuízos incomensuráveis para o meio ambiente e para a marca de uma firma, a adoção das melhores práticas da IMP é essencial para uma empresa que pretende ser lucrativa e competitiva diante dos concorrentes; enquanto estratégias puramente financistas, que apostam apenas em choque de gestão sem investir no acúmulo de competências, podem comprometer seriamente o desempenho da firma e a integridade do meio ambiente.

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