Grupo de Economia da Energia

Do bitcoin à geração distribuída – a revolução da blockchain rumo à descentralização

In energia elétrica, energias renováveis on 10/05/2017 at 14:55

Por Diogo Lisbona Romeiro

O papel-moeda e a eletricidade são dois inventos notáveis, cruciais para a modernidade, que compartilham uma importante propriedade: ambos necessitam de uma autoridade central que garanta a sua confiabilidade.

Do padrão ouro à moeda fiduciária, a confiança no papel-moeda como meio circulante de aceitação inquestionável repousa na confiança depositada no Estado emissor. O Estado impõe curso forçado e poder liberatório ao papel-moeda por si emitido em seu território, mas a confiabilidade da moeda também se sujeita ao correto funcionamento de suas funções de unidade de conta, meio de pagamento e reserva de valor. O Banco Central zela pelas funções adequadas da moeda, enquanto que o reconhecimento e a reputação do poder central do Estado garantem a fidúcia do papel emitido.

A confiabilidade do suprimento de eletricidade também se estruturou de modo centralizado. Desde a batalha das correntes entre Tesla e Edison que marca os primórdios da indústria, as vantagens da geração centralizada – com ganhos crescentes de escala, escopo e rede – sobressaíram às limitações da geração descentralizada. Grandes plantas de geração interconectadas por malha de transmissão a diferentes centros de carga, com perfis distintos de consumo, propiciaram o desenvolvimento da indústria que marcou o século XX. Face às dificuldades de estocagem de eletricidade em larga escala comercial, o equilíbrio instantâneo entre oferta e demanda é assegurado por autoridade central que opera a rede, com poder para contingenciar produção ou consumo em casos de risco à confiabilidade do suprimento.

Inovações tecnológicas recentes, no entanto, apontam para a possibilidade de dissociação entre centralização e confiabilidade tanto para a circulação de moeda, quanto para o consumo de eletricidade.

As moedas virtuais-criptográficas, como o Bitcoin, viabilizam transações diretas entre as partes contratantes sem a necessidade de terceira parte mediadora que garanta a confiabilidade do sistema, apoiando-se na tecnologia da blockchain. A geração de eletricidade distribuída, liderada pela solar fotovoltaica, contesta a supremacia histórica da centralização da rede unidirecional (dos geradores aos consumidores), abrindo espaço para novos modelos de negócios com o surgimento dos prosumers (consumidores-geradores) e de redes bidirecionais.

Ambas as tendências confluem para um futuro distribuído e possivelmente compartilhado, em contraposição a um presente centralizado e individualizado. Neste horizonte, arranjos descentralizados, com novas estruturas de confiança e menores custos de transação, podem revolucionar o meio e o modo como as transações são estabelecidas e efetuadas, impactando inúmeras indústrias e setores.

O objetivo do presente artigo é apresentar a tecnologia da blockchain e seus possíveis transbordamentos para outras áreas, propagados com euforia por seus entusiastas, e apontar as possibilidades abertas para o desenvolvimento de arranjos descentralizados favoráveis a coordenação e integração da geração distribuída.

Blockchain: a engenhoca por trás do Bitcoin

Em 2008, Satoshi Nakamoto, pseudônimo de identidade desconhecida, publicou um artigo de nove páginas propondo um mecanismo capaz de operacionalizar uma moeda eletrônica que transitasse diretamente entre as partes contratantes sem passar por alguma instituição central intermediária (trusted third party). O desafio estava em estabelecer algum mecanismo que garantisse a autenticidade da moeda digital e a transparência na contabilidade de débitos e créditos, evitando fraudes e dupla-despesa (double-spending problem). O objetivo era obter um sistema eletrônico de pagamentos baseado não em confiança (mútua ou em terceiros), mas em provas criptográficas, permitindo a livre e direta circulação da moeda virtual-criptográfica (cryptocurrency). A blockchain (cadeia de blocos) foi o mecanismo proposto por Nakamoto (2008) para viabilizar a circulação da primeira moeda digital: o Bitcoin.

A blockchain é uma “cadeia de blocos” que constitui uma espécie de base de dados com o histórico cronológico do registro de todas as transações efetuadas, tal qual um livro-razão contábil distribuído entre todos os membros da rede (distributed ledger). As transações são autorizadas por meio de assinaturas digitais criptográficas e agrupadas, a cada intervalo de tempo (por exemplo, dez minutos), em blocos. Os blocos são numerados a partir da combinação de dados de todas as transações ocorridas no decurso do intervalo de tempo pré-estabelecido, recebendo um selo temporal único (timestamp). A numeração (hash) dos blocos depende não apenas das informações específicas das transações realizadas, como também da numeração do bloco imediatamente anterior, tornando todos os blocos elos de uma só cadeia.

Os registros na blockchain podem ser acessados por chaves (assinaturas) públicas, mas só podem ser alterados por chaves privadas. As chaves criptográficas permitem a visualização dos registros e a execução das transações (transferências entre as partes), mas não evitam o problema da dupla-despesa. A solução tradicional seria a instituição de uma autoridade central que garantisse a correta contabilidade de débitos e créditos, verificando todas as transações e atestando os saldos líquidos. A verificação pela autoridade central se traduziria em “cunhagem de moeda certificada”, apta a ser utilizada para novas transações. Nesta solução, o que evita a dupla (ou múltipla) despesa dos saldos é a gestão centralizada, que enxerga todas as transações em ordem cronológica. Para que a transação seja validada em um modelo não-centralizado, que prescinda de uma autoridade central mediadora, todas as transações devem ser anunciadas publicamente e os participantes devem concordar em uma única história sobre a ordem em que foram realizadas, impossibilitando que uma mesma moeda (ou saldo) seja utilizada em mais de uma transação pelo seu detentor. Este é o objetivo da blockchain: garantir transparência e autenticidade às transações, validando a posse e a transferência dos saldos mediante consenso entre todos os participantes.

O consenso entre os participantes é o princípio fundamental da blockchain, o que a diferencia de uma simples base de dados. O consenso é alcançado a partir de verificação descentralizada, realizada independente, simultânea e automaticamente pelos diversos nós de verificação que compõem a rede. O consenso desenvolvido por Nakamoto (2008) para o Bitcoin é baseado no conceito de prova-de-trabalho (proof-of-work). Os nós de verificação se traduzem em servidores computacionais, diretamente interligados, que geram os selos temporais únicos correspondentes a cada bloco de informação (peer-to-peer distributed timestamp server). O trabalho está em obter, simultaneamente, a numeração correta de cada bloco a partir das transações realizadas. Como as informações agrupadas em cada bloco correspondem a uma única numeração possível, a versão correta dos blocos é identificada através do consenso quanto a sua numeração pela maioria dos verificadores. Qualquer alteração indevida em alguma informação do bloco resulta em numeração divergente, incompatível com a numeração correta atestada pela maioria, invalidando o registro da transação. A versão validada pela maioria dos nós de verificação é adicionada à cadeia de blocos verificados – estendendo o consenso quanto ao histórico cronológico de todas as transações realizadas – e, só então, a transação é efetiva e automaticamente efetuada entre as partes contratantes (Figura 1).

Fonte: EVRY (2015).

Não se pode alterar um bloco armazenado, com as respectivas transações validadas, sem se refazer todo o trabalho de verificação distribuída e a validação consensual entre os nós verificadores. Como todos os blocos estão interligados entre si, a alteração de um bloco implica, necessariamente, na alteração de todos os blocos subsequentes. Alterar uma transação já validada implica, então, em mudar toda a história posterior. Nakamoto (2008) demonstra que a probabilidade de um ataque para modificar uma transação armazenada, e toda a história subsequente, diminui exponencialmente com a expansão da cadeia.

A dificuldade em alterar as transações já validadas e armazenadas na blockchain não deve ser interpretada como desvantagem, pois constitui uma das motivações da moeda virtual. Uma das justificativas para o Bitcoin, apresentada por Nakamoto (2008), é justamente a obtenção de um sistema de pagamentos irreversível para fazer frente a transações de bens e serviços irreversíveis.

A segurança do sistema também depende que “nós honestos”, atuando independentemente, controlem mais poder de processamento de verificação do que “nós desonestos” em cooperação para atacar a rede. O trabalho de verificação depende de tempo e poder de processamento, portanto, consome tempo e energia (eletricidade). Por convenção, a blockchain estabelecida para suportar a circulação da moeda virtual Bitcoin remunera o trabalho de verificação através da emissão de novos Bitcoins. Por este motivo, os verificadores são conhecidos como “mineradores” (miners), obtendo moeda em função do poder de processamento investido. Esta recompensa incentiva a “honestidade” dos mineradores (nós de verificação), pois o poder de processamento necessário para superar a maioria honesta e fraudar a rede, minando o sistema, é superado pelo incentivo de seguir as regras e emitir mais moeda.

Atualmente, há cerca de 16,3 milhões de Bitcoin em circulação.  O valor do Bitcoin atingiu 1,6 mil dólares em maio de 2017, segundo índice de preço publicado pela CoinDesk (Figura 2), o que corresponde a 27,3 bilhões de dólares em circulação. O trabalho de consenso distribuído necessário para validar as transações nos blocos é energo-intensivo, consumindo cerca de 2,4 GW, e está altamente concentrado na China (MIT, 2017).

Figura 2 – Cotação do Bitcoin em dólar.

Fonte: CoinDesk

Entretanto, pode-se questionar se as “moedas virtuais” – o Bitcoin e todas as demais moedas digitais que surgiram desde então [i] – se constituem moeda de fato, tendo em vista a elevada oscilação do seu valor face às “moedas reais”.[ii] A cotação do Bitcoin em dólar nos últimos anos (Figura 2) atesta a ausência da função de reserva de valor da “moeda virtual”, sugerindo que a retenção de Bitcoin no portfólio mais se aproxima aos riscos e retornos próprios de ativos do que à segurança e liquidez oferecidas pelas “moedas reais”. Para além desta discussão, resta evidente que a blockchain propiciou, sem a presença de uma autoridade central garantidora da confiabilidade do sistema, a circulação de moedas digitais com plena função de meio (eletrônico) de pagamentos.

Do Bitcoin para o Mundo: A revolução da blockchain

A circulação das moedas digitais é, em geral, encoberta por ceticismo e resistência – seja pelo temor das autoridades centrais frente à perda de controle de suas funções; pelo receio dos intermediários financeiros face à redução de seus mercados “cativos”; pela descrença dos potenciais beneficiários quanto à confiabilidade do sistema; pelo próprio desconhecimento da tecnologia; ou pela comum associação a pratica de transações ilegais, favorecidas pela ausência de regulação e controle centralizados.

Entretanto, pouco a pouco, a atenção foi se deslocando do receio as moedas digitais às potencialidades latentes da tecnologia da blockchain.[iii] Um mecanismo que assegura transparência e autenticidade às transações, validando a propriedade e a sua transferência mediante consenso entre os participantes, pode ser empregado, em tese, para qualquer “ativo digitalizável”, isto é, para toda sorte de transações com representação digital de ativos físicos. Este poderoso insight abriu um leque de novas possibilidades de aplicação da blockchain em vários setores e indústrias. Os entusiastas da tecnologia defendem que o seu transbordamento para a economia com um todo pode representar uma revolução para os negócios análoga ao que a internet propiciou para as comunicações (UK, 2016; PwC, 2016; MIT, 2017).

A blockchain pode ser aberta a qualquer interessado (unpermissioned ledger) ou restrita a determinados participantes (permissioned ledger), enquanto que o acesso aos registros pode ser aberto a todos os participantes (public ledger) ou limitado a determinados usuários (private ledgers).[iv] Há ainda outras formas de consenso entre os participantes, mais simplificadas do que a desenvolvida para o Bitcoin, tornando o processo de validação mais ágil e menos oneroso – como a prova-de-participação (proof-of-stake), em que o processo de verificação é alocado entre os participantes em função da participação relativa dos seus ativos (Sikorski et al., 2017).

A possibilidade de condicionar a realização automática das transações à verificação de regras pré-estabelecidas permite ainda que a blockchain seja estruturada como tecnologia capaz de operacionalizar “contratos inteligentes” (smart contracts), que sujeitam a realização de transações à validação de determinadas condições, favorecendo o cumprimento (enforcement) de cláusulas contratuais estabelecidas entre as partes (compliance).

Desta forma, pode-se ajustar a tecnologia para inúmeros fins e contextos (com maior ou menor grau de descentralização), ampliando as possibilidades de aplicação, que vão desde a autenticação e gerenciamento da identidade digital dos agentes (indivíduos e empresas) e de suas informações privadas à comprovação da propriedade, posse ou proveniência de ativos. As aplicações distribuídas (distributed applications – DApps) podem ser estruturadas em plataformas (blockchain) próprias (como o Bitcoin) ou podem utilizar plataformas decentralizadas de terceiros que ofertam o serviço de blockchain e smart contracts para outras aplicações (como a plataforma Ethereum).

Embora ainda prevaleçam muitas incertezas acerca da segurança e dos desdobramentos efetivos da blockchain, propagada como panaceia para todos os problemas atuais, o seu potencial disruptivo é inegável.[v] Ainda que em estágio inicial ou experimental, já há aplicações distribuídas para gerenciamento de histórico médico individual, registro de terras, transferência direta de benefícios governamentais, comercialização de ouro, proveniência de diamantes, procedência de roupas, entre outros (UK, 2016; PwC, 2016).

As próprias instituições financeiras já enxergaram na tecnologia fonte crucial de redução de custos pelo compartilhamento conjunto de dados, reduzindo gastos com replicação e compatibilização de registros e sistemas. A construção de blockchain privadas e restritas às instituições pode facilitar a transferência de informações em escala global, automatizando processos de modo mais eficiente e rápido. Nesta configuração, pode-se ainda manter uma autoridade central definindo regras e verificando as transações, com poder para reverter transações já realizadas e validadas. A Nasdaq já utiliza uma plataforma (LINQ) construída sob uma blockchain privada para agrupar e armazenar informações das ações comercializadas.

No entanto, o poder disruptivo da blockchain não está na redução de custos em modelos de negócios tradicionais, mas na possibilidade de estruturar transações confiáveis em novas plataformas (distribuídas ou descentralizadas) em contexto de importância crescente da Internet das Coisas (IoT – Internet of Things) e da economia compartilhada (sharing economy). A IoT vislumbra elevada conectividade de todos os aparelhos e dispositivos utilizados no dia-dia, gerando um fluxo constante de informações e permitindo controle remoto e coordenado para um funcionamento mais eficiente (HUCKLE et al., 2016). A economia compartilhada baseia-se no compartilhamento de ativos com capacidade ociosa, geralmente por meio de transações diretas entre partes contratantes desconhecidas (FRENKEN & SCHOR, 2017).

Huckle et al. (2016) vislumbram grande potencial em integrar a tecnologia da blockchain à arquitetura da IoT, uma vez que a validação e o armazenamento cronológico das transações efetuadas (estruturadas em smart contracts) podem favorecer a transferência e o compartilhamento de ativos entre usuários desconhecidos.

As transações nas plataformas digitais reduzem custos de transação não apenas por facilitar a procura, a formatação dos contratos e o pagamento por via eletrônica, mas principalmente por reduzir assimetrias de informação entre as partes. Como observam Frenken & Schor (2017), as novas plataformas digitais se constituem em novos geradores de confiança, que é construída sob o histórico armazenado das transações passadas (raitings), a identidade digital e a sua reputação associada.

A comprovação e a “portabilidade” da reputação dos agentes entre as diversas plataformas reduzem assimetrias de informação e, consequentemente, custos de transação. Neste novo contexto, Bostman (2016) defende que a real revolução em curso não está nas tecnologias digitais em si, mas na mudança da formação da confiança entre os agentes. Com as plataformas digitais, a confiança não é mais depositada em salvaguardas tradicionais e autoridades centrais fiadoras, mas construída em camadas, de modo que as pessoas acreditam primeiro nas ideias e serviços ofertados; em seguida, nas plataformas utilizadas como interface para as transações; e, finalmente, nos demais usuários (desconhecidos) contratantes. A utilização crescente de diversas aplicações nesse novo contexto descentralizado aumenta a disposição dos agentes a se engajarem em novas ideias, criando um campo fértil para novos modelos de negócios.

Implicações para a Geração Distribuída

Ao contrário do que pode aparentar à primeira vista, a atmosfera atual é propícia para o desenvolvimento de novos modelos de negócios. Arranjos estruturados sob blockchain, IoT e compartilhamento de ativos podem deslanchar a geração distribuída de eletricidade, impulsionada principalmente pela penetração da solar fotovoltaica.

Em um primeiro plano, a blockchain pode conferir maior transparência da propriedade dos ativos, facilitando a comercialização de painéis em esquemas de leasing e o seu compartilhamento entre diversos proprietários, favorecendo a geração distribuída em condomínios e comunidades. A redução de custos de transação no compartilhamento de ativos pode direcionar a indústria para soluções mais integradas e compartilhadas, tirando proveito da infraestrutura preexistente herdada do atual contexto de centralização. Nesta perspectiva, a incorporação de baterias para estocagem pode desenvolver-se em nível descentralizado e não necessariamente distribuído, com ganhos significativos de escala (LOMBASRDI & SCHWABE, 2017).

Em um segundo plano, a blockchain pode facilitar o gerenciamento mais eficiente e transparente dos novos fluxos bidirecionais que surgem com a proliferação dos prosumers nas redes de distribuição. Com a instalação de infraestrutura de medição inteligente (smart meters) e de aparelhos e dispositivos conectados (IoT), o consumo instantâneo de eletricidade torna-se mais reativo às variações da oferta, incorporando efetivamente o imprescindível gerenciamento da demanda (demand response) na nova equação de consumo-suprimento. A blockchain pode ser uma importante aliada na definição de preferências de consumo e geração dos prosumers, operacionalizando regras pré-estabelecidas em função de variação de preço, hora, fluxo e estoque de energia. O gerenciamento da identidade digital dos usuários e o histórico do registro de todas as suas transações (fluxos) pode ainda viabilizar o problema da recarga dos veículos elétricos, favorecendo a sua massificação e tornando a sua utilização estratégica para armazenar o excesso de oferta variável de energia.

A integração e automação de todos esses processos, serviços e produtos – ofertados, gerenciados e utilizados por múltiplos agentes –, pode tornar-se realidade com a conjugação de blockchain, contratos inteligentes e plataformas digitais. Já existem algumas experiências nesse sentido (PwC, 2016).

Em Nova Iorque, o projeto piloto da Brooklyn Microgrid, estruturado na blockchain Ethereum, já permite que prosumers comercializem saldos de energia solar entre vizinhos interligados pela plataforma. Em Perth, na Austrália, onde 25% das casas já possuem painéis fotovoltaicos, a start-up PowerLedger também permite a comercialização dos excesso de energia solar com outros consumidores. A criação de um mercado de varejo para a geração distribuída, superando a relação restrita entre consumidor-distribuidora, não se restringe a experiências marginais desenvolvidas por start-ups inovadoras. A utility europeia Vattenfall apostou na plataforma Powerpeers para comercialização direta entre usuários, que podem escolher de quem comprar e para quem vender a sua energia distribuída.

Há também exemplos de aplicação para transação de certificados de energia renovável e de emissões, garantindo a procedência dos créditos e a autenticação das transações via blockchain. A Nasdaq, através da plataforma LINQ, já disponibiliza o serviço (PwC, 2016; GOMES et al., 2017).

As novas interfaces interligadas-compartilhadas podem solucionar entraves atuais relacionados à incompatibilidade entre o caráter descentralizado das novas tecnologias e aplicações e a estrutura atual centralizada. A descentralização em curso não afasta necessariamente as utilities dos novos arranjos, mas a sua sobrevivência dependerá da capacidade de inovação e adaptação ao novo contexto (GREEN & NEWMAN, 2017).

Com todos os ganhos que se anunciam pela integração, conectividade e compartilhamento entre todos os elos e agentes da cadeia, o gerenciamento das diferentes possibilidades e combinações de oferta, consumo e armazenamento pode tornar a rota “off-grid” uma ficção científica ultrapassada.

REFERÊNCIAS:

BOTSMAN, R. (2016). New Trust Networks: your best friend is a stranger.

EVRY (2015). Blockchain: Powering the Internet of Value. White Paper EVRY Financial Services.

FRENKEN,K.; SCHOR, J. (2017). Putting the sharing economy into perspective. Environmental Innovation and Societal Transitions. In Press.

GOMES, L. L.; SILVA, P. V.; CARVALHO, L. F. (2017). Um Novo Mecanismo de Negociação de Certificados Brasileiros de Energia Renovável e Crédito de Carbono via Blockchain. Trabalho apresentado no VI ELAEE (Encontro Latino-Americano da Economia da Energia).

GREEN, J.; NEWMAN, P. (2017). Citizen utilities: The emerging power paradigm. Energy Policy, 105: 283-293.

HUCKLE, S.; BHATTACHARYA, R.; WHITE, M.; BELOFF, N. (2016). Internet of Things, Blockchain and Shared Economy Applications. Procedia Computer Science, 98: 461-466.

LI, X.; WANG, C. A. (2017). The technology and economic determinants of cryptocurrency exchange rates: The case of Bitcoin. Decision Support Systems, 95: 49-60.

LOMBARDI, P.; SCHWABE, F. (2017). Sharing economy as a new business model for energy storage systems. Applied Energy, 188: 485-496.

MIT (2017). The Business of Blockchain: Unlocking the Potential. Conference of MIT Technology Review & MIT Media Lab. Vídeos disponíveis em: http://events.technologyreview.com/video/?event=business-of-blockchain&year=2017

NAKAMOTO, S.(2008). Bitcoin: A Peer-to-Peer Electronic Cash System.

PwC (2016). Blockchain – an opportunity for energy producers and consumers? PwC global power & utilities.

SIKORSKI, J.; HAUGHTON, J.; KRAFT, M. (2017). Blockchain Technology in the Chemical Industry: Machine-to-machine electricity market. Applied Energy, 195: 234-246.

UK (2016). Distributed Ledger Technology: beyond block chain. UK Government Chief Scientific Adviser.

Notas:

[i] Há inúmeras cripto-moedas em circulação atualmente, mas apenas cinco superam 1 bilhão de dólares em circulação (Bitcoin, Ethereum, Ripple, Litecoin, NEM). Para maiores detalhes, conferir www.coinmarketcap.com.

[ii] Para uma análise exploratória sobre o peso dos possíveis determinantes (tecnológicos e econômicos) da taxa de câmbio entre o Bitcoin e o dólar, conferir LI & WANG (2017).

[iii] Para um retrato desta tendência, conferir análise da The Economist em “The Trust Machine – The technology behind Bitcoin could transform how the economy works”, 31/10/2015.

[iv] Ainda não há nomenclaturas e definições consensuais sobre os diversos termos e conceitos que envolvem a tecnologia em desenvolvimento. O presente artigo guiou-se principalmente pelas definições (não totalmente compatíveis) apresentadas em UK (2016), PwC (2016) e Sikorski et al. (2017).

[v] Para uma discussão mais detalhada sobre os riscos da tecnologia, conferir palestra de Emin Gün Sirer em MIT (2017). Para uma visão mais crítica sobre os potenciais efetivos da blockchain, conferir artigo de Alex Hern no The Guardian “Blockchain: the answer to life, the universe and everything?”, 7/7/2016.

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