Grupo de Economia da Energia

A relação complexa entre custos de extração, preços do petróleo e dos seus derivados

In petróleo on 25/06/2012 at 01:19

Por Thales Viegas

Nos últimos anos os preços internacionais do petróleo e os custos de extração de petróleo e gás aumentaram significativamente. É possível destacar uma forte correlação entre a evolução dessas duas variáveis. Nesse contexto, o objetivo desta postagem é analisar a relação entre os custos de extração e os preços do petróleo. Primeiro são apresentados os principais fundamentos da mesma. Em segundo lugar se discute as suas consequências mais importantes. Por fim, articulamos a influência de preços e custos na política de preços de combustíveis da Petrobras, bem como nas perspectivas de crescimento dos investimentos e da oferta de petróleo no Brasil que a ela estão associadas.

Durante a última década a trajetória ascendente dos preços do petróleo foi consistente e constituiu novos patamares como referência de valor do produto. O gráfico 1 mostra a correspondência tendencial entre os índices de inflação do upstream, dos preços do petróleo e dos preços do aço. Os preços das commodities têm maior conexão com o mercado financeiro e, portanto, apresentam maior volatilidade, enquanto o índice de variação dos custos possui maior rigidez por estarem associados a projetos de longa maturação e contratos de mais largo prazo. Entre meados do ano de 2004 e meados de 2008, tanto o preço do petróleo quanto o índice de custos dobraram de magnitude. O preço do aço quase se duplicou também.

Figura 1: Índices de Custo de Capital, de Preço do Aço e de Preço do Petróleo WTI, mero índice, de 2000 a 2012

Fonte: CRUspi, EIA, IHS (Elaboração Própria) 

 Importa salientar que a correlação entre essas variáveis se justifica em função da cadeia do petróleo ser intensiva em derivados do próprio produto e em aço. Ademais o aumento dos preços do petróleo potencializou as atividades de exploração de recursos e de desenvolvimento de reservas. A demanda por equipamentos e serviços do segmento de upstream do petróleo aumentou bastante, mas a capacidade instalada mundial da indústria fornecedora não evolui no mesmo ritmo.

Essa escassez relativa favoreceu o aumento dos preços desses insumos que são oferecidos por um setor que possui grande capacidade remarcar preços. Ele é capaz de reajustá-los diante de aumentos do valor do petróleo, assim como sustentar esses níveis mais elevados por algum tempo mesmo quando os preços da commodity caem. A tendência de aumento dos custos com remuneração de trabalhadores também é relevante, especialmente em períodos de surtos de demanda que promovem escassez relativa da força de trabalho qualificada.

Os efeitos das variações de preço do petróleo cru são verificados nos custos operacionais e de capital da atividade petrolífera. Novos projetos de desenvolvimento de reservas e produção em campos mais onerosos, como em águas ultraprofundas, são muito sensíveis a essas variáveis. Não raro empresas adiam ou até abandonam projetos por perderem economicidade em cenários desfavoráveis de preços e custos. Aumentos dos preços também podem representam maiores pagamentos de royalties a depender da variação no preço de referência adotado para o seu cálculo. Além disso, no Brasil, a configuração fiscal do país também onera mais os bens e serviços produzidos localmente. Todos esses adicionais de custo podem em algum momento representar riscos para os planos de expansão da oferta de petróleo do país.

Neste contexto, existem importantes desafios para se lograr a redução dos custos por meio de mecanismos de aprendizado tecnológico e organizacional capazes de promover ganhos de eficiência produtiva. Desta maneira, o ajuste pelo lado da receita, quando possível, é aquele com o qual se obtém resultados mais imediatos. Como no Brasil a precificação dos derivados do petróleo não segue as flutuações do mercado internacional, a Petrobras recorrentemente reivindica junto ao governo federal reajustes dos preços dos combustíveis, como vinha ocorrendo no primeiro semestre deste ano.

Vale dizer que a política de preços de combustíveis nas refinarias no Brasil está pautada na lógica de estabilidade. Ela é utilizada como uma ferramenta de controle da inflação, uma vez que os derivados do petróleo são insumos essenciais na economia. Afetam direta ou indiretamente as demais estruturas de custos da economia. No entanto, aumentos nos níveis dos preços internacionais do petróleo fizeram com que a direção da Petrobras recorrentemente solicitasse ao governo federal reajustes dos preços dos combustíveis. O fito é aproximá-los dos padrões internacionais e melhorar a geração de caixa da companhia.

Como a maior parte de suas vendas é realizada no mercado nacional, o preço interno dos derivados, na prática, determina os resultados da firma no presente e a sua capacidade de investimento e expansão da oferta futura. Ainda que a empresa tenha um bom acesso a capital de terceiros, a capacidade de investimento autônomo da empresa é muito influenciada por sua geração própria de caixa. Ela possui uma quantidade de oportunidades de negócios superior à sua dotação orçamentária. Do ponto de vista do crescimento da produção e renovação de reservas ela se encontra em uma posição privilegiada frente à maioria das grandes petroleiras no mundo, mas em termos de rentabilidade vem sendo questionada.

Todavia, a execução de um grande programa de investimento tal qual a Petrobras vem empreendendo implica em menor rentabilidade sobre o capital investido no médio prazo. É comum que projetos de exploração e produção de petróleo offshore tenham um período de vida superior a duas décadas. Assim, a decisão de investimento e o início da produção podem ocorrer em diferentes fases dos ciclos da indústria, o que envolve o risco de queda dos preços do petróleo e da rentabilidade da firma. No limite, são estes elementos que determinam os ciclos da indústria.

Por fim, é importante notar que na última década as fases ascendentes dos ciclos da indústria foram intensas e duradouras, de modo que as quedas nos preços e nos níveis de atividade não se mostraram consistentes mesmo diante de ciclos no mercado financeiro e mudanças regulatórias no setor de energia. Os custos apresentaram certa rigidez para baixo nesses períodos diante dos investimentos insuficientes no setor parapetroleiro. Ainda assim, o ritmo de investimentos no upstream brasileiro se manteve elevado. O país vem respondendo pela maior parte da demanda de equipamentos e serviços direcionada a campos em águas profundas. Entretanto, ainda residem dúvidas relacionadas aos desafios tecnológicos e às elevadas estruturas de custos dos novos reservatórios descobertos na camada pré-sal.

Em suma, a atual fase do ciclo internacional da indústria é favorável para os investimentos do ponto de vista dos preços, mas de certa forma arriscada do ponto dos custos associados à atividade. Se por um lado, o Brasil descobriu grandes reservas que permitem a obtenção de economias de escala, por outro as reservas envolvem estruturas de custo elevadas e outros desafios importantes para serem aproveitadas. Nesse contexto, o ajuste dos combustíveis dará à Petrobras um importante crescimento de receita que ainda não garantirá o cumprimento das suas metas de crescimento de produção. Ganhos de produtividade e aumento da eficiência em custo seguem sendo ajustes importantes para a empresa. Ainda que seus efeitos sejam observados em mais largo prazo eles serão essenciais para a expansão da oferta de petróleo no país no ritmo desejado.

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  1. Talvez a análise sobre as oscilações do preço do petróleo não estão levando em conta a principal característica física deste insumo, que para extrair petróleo é antes de tudo necessário a própria energia do petróleo. Parece um raciocínio circular mas é altamente procedente como tentarei provar.

    Há algum tempo, mais com preocupações ambientais do que com preço do petróleo, dois professores de Energia e Meio Ambiente da Universidade de New York, definiram um novo índice denominado EROI, ou EROEI ou ainda ERoEI. Este índice correlaciona a energia extraída com a energia utilizada para retirar o petróleo.

    Como as preocupações dos autores Charles A. S. Hall e Cutlert J. Cleveland eram mais ambientais, e a palavra ambiental não soava bem aos ouvidos de quem estava envolvido no mundo do petróleo, este índice nunca foi muito levado a sério. Temos que levar em conta que apesar de não ser muito agradável, a divulgação do EROI começa em 6 de fevereiro de 1982 numa das mais conceituadas revistas técnicas do mundo, a Science.

    No momento em que surgiu este índice o seu valor nos Estados Unidos ainda estava em 30 a 25 para 1, ou seja, para se extrair 30 ou 25 barris de petróleo era necessário a energia equivalente de 1 barril. Com esta relação favorável, o custo da energia na extração do mesmo não era importante no valor final, inclusive EROI do petróleo do Oriente Médio ainda estava acima do 50, ficando mais barato a importação do que a exploração de novas reservas.

    De 1982 para 2012 se passaram 30 anos, e com o consumo aumentando e as reservas em locais de fácil extração diminuindo, os valores do EROI tem caído vertiginosamente se tendo estimativas deste índice para novas explorações em torno de 8 (otimistas) e 3 (pessimistas). Importante destacar que a medida em que o EROI se aproxima da unidade, por mais reservas que se tenha, o custo energético do mesmo não justifica a extração.

    Chegando a níveis mais críticos, começa um processo não linear que explica a manutenção do preço alto mesmo com a diminuição ou a estabilização da demanda. Pois não importa quanto que esteja o valor do petróleo, se 10US$ ou 100 US$, para extrair um barril de petróleo será necessários 3 US$ ou 30 US$, realimentando no mercado as expectativas de aumento de custo e elevando naturalmente o valor deste insumo. Este tipo de raciocínio já está sendo estudado e quantificado. Matthew Kuperus Heun e Martinde Wit, na revista “Energy Police” Volume 40, January 2012, Pages 147–158, publicam “Energy return on (energy) invested (EROI), oil prices, and energy transitions” apresentam um trabalho interessante em que eles quantificam a correlação entre EROI e preço do petróleo.

    A partir de uma série de 50 anos de dados do preço do petróleo e o EROI eles chegaram a conclusões interessantes:

    A primeira conclusão, mais ou menos lógica, é que tanto as altas do petróleo como suas baixas podem facilmente ser correlacionadas não simplesmente ao mercado, mas sim a ganhos tecnológicos na extração do mesmo e dificuldades.

    A segunda conclusão é que a variabilidade do preço, durante o embargo do petróleo posterior normalização, pode ser perfeitamente ajustada a uma situação de mercado natural sem as limitações impostas por problemas de guerras ou embargos.

    As conclusões finais talvez sejam as mais importantes, que a partir de um determinado valor mínimo de EROI o custo do petróleo começa a seguir relações não lineares fortemente ascendentes que justificam o preço atual.

    Qual a importância disto tudo, primeiro antes de tudo tira em parte a importância da quantidade de reservas comprovadas ou prováveis na determinação do preço do petróleo, deixando em parte este crédito a qualidade dessas reservas em termos de dificuldade de extração.

    Importante notar que para um EROI abaixo dos valores 20 – 10 uma espécie de Fator Pânico (denominação de minha responsabilidade), que impulsionam o preço do petróleo baseado na expectativa de carência do mesmo.

    Outra conclusão importante, que os autores chegam, é que o preço como fator de indicador da necessidade de uma transição de um tipo de energia para outro é algo extremamente temerário, pois estas relações não lineares falseiam até certo ponto a penúria do produto e a partir de determinado patamar mínimo induzem a pressões políticas e sociais, que podem levar a recessão diminuindo a própria capacidade de investimento tanto em novos campos ou novas descobertas como no desenvolvimento de fontes alternativas de energia.

  2. […] postagem anterior apresentamos as relações entre os preços do petróleo cru e os custos da indústria […]

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