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A mudança da política alemã de incentivo às energias renováveis

In energias renováveis on 01/09/2014 at 00:15

Por Ronaldo Bicalho

bicalho092014No primeiro dia do mês de Agosto deste ano entrou em vigor a nova lei de incentivo às fontes de energia renováveis na Alemanha. A chamada EEG 2.0 (Erneuerbare Energien Gesetz – Lei das Fontes de Energia Renováveis) representa um forte ajuste na política energética alemã de apoio a essas fontes.

O freio de arrumação na transição energética alemã (energiewende) é fruto das fortes pressões a favor da reformulação do programa advindas principalmente dos setores industrial e elétrico alemão, assim como da própria Comunidade Europeia.

Com um custo estimado de um trilhão de Euros até 2030, uma das grandes ameaças à energiewende passou a ser a explosão das tarifas de energia elétrica puxada, principalmente, pela forte expansão da energia solar; fortemente subsidiada pelo esquema de tarifação Feed-in, que garante a rentabilidade dos investimentos em renováveis durante 20 anos.

Com uma conta de 20,4 bilhões de Euros chegando aos bolsos dos consumidores em 2013 – com expectativa de aumentar para 23,6 bilhões em 2014 -, as mudanças no esquema de subvenções às energias renováveis tornaram centrais para a sustentabilidade política e social do programa.

Mesmo não tendo que pagar 100% das taxas de incentivos às renováveis, em função de um mecanismo de proteção às indústrias intensivas em energia, os grandes consumidores alemães têm de pagar uma tarifa de €100 por MWh, ao passo que nos Estados Unidos o consumidor industrial paga em média  menos de €55 por MWh. No caso do consumidor industrial alemão médio, sem o mecanismo de proteção, esse valor atinge €145 por MWh. O gráfico abaixo apresenta as tarifas industriais alemãs em relação a outros países e sintetiza as dificuldades para a manutenção da competitividade industrial do país face ao movimento de aumento da tarifa de eletricidade; em contraste, fundamentalmente, com a manutenção das baixas tarifas americanas.

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Considerando que o próprio mecanismo de proteção aos grandes consumidores estava em xeque e fatalmente seria significativamente reduzido, as pressões para a redução das subvenções às renováveis em nome da manutenção da competitividade da indústria alemã se tornaram fortíssimas.

Do lado do setor elétrico, a expansão acelerada da participação das renováveis na matriz elétrica gerou problemas imprevistos. O mais importante foi a inviabilização econômica da operação das modernas plantas de gás natural que haviam entrado a partir de 2009. Com a preferência das renováveis no despacho, essas plantas passaram a operar durante um tempo muito menor do que aquele que havia sido projetado para garantir a sua economicidade.

A questão aqui é que o problema não é simplesmente econômico, a retirada dessas plantas do sistema, em função da sua não economicidade, acaba gerando sérios problemas de confiabilidade e segurança do suprimento. De tal forma que a questão de quem faz o back-up das renováveis foi para o centro das preocupações.

Lembrando que as quatro grandes empresas que detém o controle do setor elétrico alemão são responsáveis apenas por 6% da capacidade instalada de geração renovável, estabeleceu-se um impasse entre o programa de renováveis e a sustentabilidade do setor elétrico tradicional alemão. Esse setor ainda joga um papel relevante em termos da manutenção das grandes infraestruturas de transmissão e distribuição, assim como na manutenção da segurança do suprimento via manutenção de margens de reserva/segurança. Sem contar os grandes investimentos necessários à expansão e modernização das redes – em torno de 2 bilhões de Euros por ano.

Para fechar o arco de pressões, a Comunidade Europeia considerou que o pacote de incentivos às renováveis, principalmente o esquema de proteção aos grandes consumidores, caracterizava uma intervenção indevida do Estado alemão a favor dessas empresas, prejudicando a livre competição no mercado europeu.

Em função desse quadro, menos de um ano depois das eleições gerais de Setembro de 2013, entrou em vigor a nova EEG 2.0, fruto da coalizão entre os democratas cristãos do CDU, da primeira-ministra Angela Merkel, os socialista do SPD e os socialistas cristãos do CSU.

A política energética nascida dessa coalizão e que sustenta as mudanças na lei das fontes de energia renováveis se baseia em três pilares:

  1. Compatibilidade ambiental e climática
  2. Segurança de suprimento
  3. Acessibilidade em termos de preço. Ou seja, a expansão futura da infraestrutura de energia deve ser implementada levando-se em conta a eficiência de custos.

Essa mudança na política energética implicou em uma reforma substancial da EEG cujos traços marcantes são os seguintes:

  1. Redução do apoio às novas plantas e manutenção dos incentivos às já existentes.
  2. Todas as tecnologias deverão ter os incentivos reduzidos ao longo do tempo.
  3. Os bônus garantidos como apoio às renováveis serão revisados e a maioria deles será simplesmente abolida.
  4. O privilégio verde dado à eletricidade gerada na Alemanha a partir de fontes renováveis, em prejuízo à eletricidade gerada fora do país, será abolido.
  5. Alinhamento às leis europeias.

O que cabe ressaltar a partir dessa análise preliminar dessas mudanças na política energética alemã é a tentativa de recuperar um aspecto chave da transição do sistema energético alemão em direção às fontes de energia limpas.

Aqui, não se trata apenas de reduzir as emissões de CO2 para fazer face ao aquecimento global, trata-se de fazer isso sem sacrificar a competitividade da indústria alemã. Não basta ampliar a participação das renováveis na matriz energética, é preciso que isso seja feito em condições de disponibilidade e custo da energia que permitam a manutenção das atividades econômicas nos padrões competitivos atuais; mesmo no caso das indústrias intensivas em energia.

Assim, os alemães querem usar uma energia que emita menos CO2, sem que isso signifique a saída da produção de Mercedes da Alemanha; com todo os impactos negativos em termos de emprego e renda que essa saída acarretaria.

Desse modo, a transição energética não implica uma transformação estrutural na economia alemã. No limite, a mudança da base energética alemã é feita justamente para manter a poderosa indústria alemã, buscando tirar todas as vantagens da liderança da transição energética; em disputa direta com os Estados Unidos e a China.

Em outras palavras, é preciso inventar uma energia alemã abundante e barata no futuro para fazer face à energia barata americana; apostando que o suprimento energético chinês, crescentemente dependente do exterior, se torne cada vez mais caro e instável.

Pressionada pela dependência do gás russo, pelo abandono do nuclear e pela recusa à exploração de gás natural não convencional em seu território, a aposta alemã nos renováveis – radicalizada em 2011 no pós Fukushima e ajustada agora em 2014 – joga um papel crucial na estratégia alemã de longo prazo: a partir da mudança do paradigma energético, sustentar a manutenção e a expansão do seu paradigma industrial.

A questão fundamental é se o país terá fôlego tecnológico, organizacional, institucional e político para bancar essa que é, hoje, no cenário energético mundial, a proposta mais ambiciosa em termos de introdução de fontes renováveis.

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