Por Helder Queiroz
O ano de 2020 já pode ser considerado histórico para o mundo em função da pandemia do Coronavírus. Em todos os países, a busca por soluções para atenuar o gravíssimo problema de saúde, bem como as vias para lidar com os decorrentes problemas sociais e econômicos, pauta as agendas governamentais.
Um mercado tão crucial para a história do capitalismo, como o do petróleo, não poderia estar imune aos efeitos da recessão mundial que se desenha.
Curiosamente, a incerteza no mercado de petróleo, desde o início de 2020, já mudou algumas vezes de direção. Cabe recordar aqui, brevemente, que em 3 de janeiro a morte do general iraniano Qasem Soleimani, no Iraque, suscitou grandes preocupações acerca das tensões entre EUA e Irã. Tais tensões geopolíticas levaram, por curto período (menos de uma semana), os preços do petróleo para níveis próximos dos US$ 70 por barril. Porém, a redução nas semanas seguintes do nível de tensão, fez com que o mercado de petróleo voltasse a operar de acordo com os traços estruturais que se manifestam desde a queda do final de 2014, quando os preços abandonaram o patamar em torno dos US$ 100 por barril (gráfico 1).
Os traços estruturais mencionados acima estão relacionados com os seguintes fatores: i) crescimento da produção norte-americana de petróleo não convencional, e consequente redução das importações dos EUA; ii) baixo ritmo de crescimento da demanda e iii) aumento da produção de vários produtores OPEP e não-OPEP.
Após a queda acentuada de preços para abaixo de US$ 30 por barril, em janeiro de 2016, uma série de tentativas de acordo entre os países da OPEP e produtores Não OPEP, com destaque particular para a Rússia, logrou algum êxito e o retorno a um patamar de US$ 55-65 por barril.
Gráfico 1 – Preço do Petróleo Brent de 2014 até hoje, base semanal.
Porém, a teoria econômica mostra que acordos entre produtores são de difícil manutenção por prazos longos[1]. Uma nova tentativa de acordo foi buscada, no início de março de 2020, quando o início da pandemia do Coronavírus começou a suscitar preocupações com relação à redução do crescimento econômico chinês e, consequentemente, da redução da demanda e das importações de petróleo da China.
O agravamento e extensão da pandemia levaram à busca de um novo e, agora fracassado, acordo entre OPEP, liderada pela Arábia Saudita, e a Rússia, principal produtor Não OPEP. O fracasso das negociações foi seguido de uma guerra de preços, iniciada pelos árabes e grandes disputas por market share.
Sob tais circunstâncias, ficou ainda mais evidenciado o traço estrutural do mercado de petróleo nos dias de hoje: excesso de oferta e redução substancial da demanda, gerando forte queda de preços.
É muito difícil prever a evolução futura, mas é claro que, nas condições de contorno presentes, o nível de preços penaliza os planos de investimento de todas as companhias de petróleo e, em particular, as áreas de produção com estrutura de custos mais elevados.
Não obstante o elevadíssimo grau de incerteza, as lições de situações semelhantes são úteis de serem relembradas. As quedas acentuadas de preços do petróleo, em geral, produzem os seguintes efeitos fortemente interdependentes: i) revisão dos planos estratégicos das companhias petrolíferas; ii) medidas gerais de redução de custos operacionais (opex) iii) forte redução do capex e ,sobretudo, dos investimentos nas atividades de maior risco como upstream ; iv) ondas de fusões e aquisições (como por exemplo, após a queda de 2014, a compra da BG pela Shell).
O Brasil registra um volume relevante de recursos descobertos a serem desenvolvidos e os campos do pré-sal têm revelado alta produtividade. Não é por acaso que o último Energy Outlook da Agência Internacional de Energia, divulgado em novembro de 2019, coloca o Brasil como o segundo país a dar maior contribuição para a oferta adicional de petróleo a ser produzido até o horizonte 2040, ficando atrás apenas da produção não convencional dos EUA.
Cabe observar, entretanto, que essas são fronteiras de exploração e de produção de custos elevados e, logo, mantido o nível de preços atual, será imperativa a revisão dos planos de negócio das empresas de petróleo que atuam nessas fronteiras.
Alguns sinais desse processo de revisão parecem já estar em curso. A Petrobras[2] e outras empresas operadoras[3] já anunciaram o início do processo de revisão de seus respectivos planos de negócio e prioridades estratégicas[4].
Dada a condição de produtor cada vez mais relevante e exportador líquido no mercado internacional, o Brasil certamente sofrerá efeitos macroeconômicos perversos derivados da atual situação do mercado internacional do petróleo e dos preços baixos, sendo os principais resultantes da redução: i) do valor das exportações; ii) da arrecadação de royalties e demais participações governamentais e iii) do nível de investimentos.
A partir de agora, além da urgência para a elaboração de planos coordenados de saída da crise global de saúde, todos os setores da economia passarão por uma fase de recomposição patrimonial, política, institucional e regulatória. Num setor tão relevante como o setor energético, a necessidade de coordenação dos agentes econômicos e das instituições, que deveria estar sempre no topo da agenda de política energética, torna-se indispensável para poder sinalizar as trilhas a serem adotadas, e aquelas a serem descartadas, por empresas e consumidores. A qualidade da ação do Estado, no exercício efetivo deste tipo de coordenação, nunca foi tão crucial para a garantia da segurança do abastecimento de energia no curto, médio e longo prazos.
[1] Ver, por exemplo, o texto publicado no Blog Infopetro em 03/05/2017 As dificuldades do acordo dos países produtores e a nova posição brasileira no mercado internacional do petróleo
[2] Segundo o jornal Valor Econômico, de 27/3/2020, em matéria de André Ramalho e Rodrigo Polito “Petrobras se prepara para barril a US$ 25: Empresa faz corte de 29% nos investimentos e promete reduzir gastos para aumentar competitividade”
link https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/03/27/petrobras-se-prepara-para-barril-a-us-25.ghtml .
[3] Ver, por exemplo, o pronunciamento o CEOO da Total, Patrick Pouyanné em https://www.total.com/en/media/video/message-from-patrick-pouyanne-march-2020
[4] Segundo o jornal Valor Econômico, de 25/3/2020, em matéria de André Ramalho e Rodrigo Polito “Ao menos nove petroleiras que atuam no Brasil anunciaram, desde a semana passada, cortes nos investimentos e gastos. A lista inclui gigantes como a Shell, Total e Chevron; a Ecopetrol e Murphy Oil; e pequenas e médias companhias como a Geopark, Premier Oil, Maha Energy e a brasileira PetroRio. A consultoria Wood Mackenzie estima que os gastos globais do setor de exploração e produção podem cair mais de 25% em 2020.”
link https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/03/25/petroleo-barato-poe-em-xeque-exploracao-no-pais.ghtml ou as ferramentas oferecidas na página.
[…] [1] https://infopetro.wordpress.com/2020/03/28/o-mercado-de-petroleo-em-2020-incerteza-volatilidade-e-te… […]
Os países produtores de petróleo deveriam ter comissões para gerenciar uma iniciativa de investimentos financeiros advindos dos negócios feitos sobre o petróleo para ações de pesquisa e desenvolvimento de meios de consumo alternativos para o próprio petróleo. O bioma do mundo agradece. Esse vídeo aqui fala sobre isso e mostra um ponto de vista diferenciado sobre o assunto:
[…] (1) – Pinto Jr, H.Q. (2020), “O Mercado de Petróleo em 2020: incerteza, volatilidade e tentativas de adaptação” https://infopetro.wordpress.com/2020/03/28/o-mercado-de-petroleo-em-2020-incerteza-volatilidade-e-te… […]