Grupo de Economia da Energia

O Mercado de Petróleo em 2020: incerteza, volatilidade e tentativas de adaptação

In petróleo on 28/03/2020 at 11:45

Por Helder Queiroz

O ano de 2020 já pode ser considerado histórico para o mundo em função da pandemia do Coronavírus. Em todos os países, a busca por soluções para atenuar o gravíssimo problema de saúde, bem como as vias para lidar com os decorrentes problemas sociais e econômicos, pauta as agendas governamentais.

Um mercado tão crucial para a história do capitalismo, como o do petróleo, não poderia estar imune aos efeitos da recessão mundial que se desenha.

Curiosamente, a incerteza no mercado de petróleo, desde o início de 2020, já mudou algumas vezes de direção. Cabe recordar aqui, brevemente, que em 3 de janeiro a morte do general iraniano Qasem Soleimani, no Iraque, suscitou grandes preocupações acerca das tensões entre EUA e Irã. Tais tensões geopolíticas levaram, por curto período (menos de uma semana), os preços do petróleo para níveis próximos dos US$ 70 por barril. Porém, a redução nas semanas seguintes do nível de tensão, fez com que o mercado de petróleo voltasse a operar de acordo com os traços estruturais que se manifestam desde a queda do final de 2014, quando os preços abandonaram o patamar em torno dos US$ 100 por barril (gráfico 1).

Os traços estruturais mencionados acima estão relacionados com os seguintes fatores: i) crescimento da produção norte-americana de petróleo não convencional, e consequente redução das importações dos EUA; ii) baixo ritmo de crescimento da demanda e iii) aumento da produção de vários produtores OPEP e não-OPEP.

Após a queda acentuada de preços para abaixo de US$ 30 por barril, em janeiro de 2016, uma série de tentativas de acordo entre os países da OPEP e produtores Não OPEP, com destaque particular para a Rússia, logrou algum êxito e o retorno a um patamar de US$ 55-65 por barril.

Gráfico 1 – Preço do Petróleo Brent de 2014 até hoje, base semanal.

Fonte: Investing.com

Porém, a teoria econômica mostra que acordos entre produtores são de difícil manutenção por prazos longos[1]. Uma nova tentativa de acordo foi buscada, no início de março de 2020, quando o início da pandemia do Coronavírus começou a suscitar preocupações com relação à redução do crescimento econômico chinês e, consequentemente, da redução da demanda e das importações de petróleo da China.

O agravamento e extensão da pandemia levaram à busca de um novo e, agora fracassado, acordo entre OPEP, liderada pela Arábia Saudita, e a Rússia, principal produtor Não OPEP. O fracasso das negociações foi seguido de uma guerra de preços, iniciada pelos árabes e grandes disputas por market share.

Sob tais circunstâncias, ficou ainda mais evidenciado o traço estrutural do mercado de petróleo nos dias de hoje: excesso de oferta e redução substancial da demanda, gerando forte queda de preços.

É muito difícil prever a evolução futura, mas é claro que, nas condições de contorno presentes, o nível de preços penaliza os planos de investimento de todas as companhias de petróleo e, em particular, as áreas de produção com estrutura de custos mais elevados.

Não obstante o elevadíssimo grau de incerteza, as lições de situações semelhantes são úteis de serem relembradas. As quedas acentuadas de preços do petróleo, em geral, produzem os seguintes efeitos fortemente interdependentes: i) revisão dos planos estratégicos das companhias petrolíferas; ii) medidas gerais de redução de custos operacionais (opex) iii) forte redução do capex e ,sobretudo, dos investimentos nas atividades de maior risco como upstream ; iv) ondas de fusões e aquisições (como por exemplo, após a queda de 2014, a compra da BG pela Shell).

O Brasil registra um volume relevante de recursos descobertos a serem desenvolvidos e os campos do pré-sal têm revelado alta produtividade. Não é por acaso que o último Energy Outlook da Agência Internacional de Energia, divulgado em novembro de 2019, coloca o Brasil como o segundo país a dar maior contribuição para a oferta adicional de petróleo a ser produzido até o horizonte 2040, ficando atrás apenas da produção não convencional dos EUA.

Cabe observar, entretanto, que essas são fronteiras de exploração e de produção de custos elevados e, logo, mantido o nível de preços atual, será imperativa a revisão dos planos de negócio das empresas de petróleo que atuam nessas fronteiras.

Alguns sinais desse processo de revisão parecem já estar em curso. A Petrobras[2] e outras empresas operadoras[3] já anunciaram o início do processo de revisão de seus respectivos planos de negócio e prioridades estratégicas[4].

Dada a condição de produtor cada vez mais relevante e exportador líquido no mercado internacional, o Brasil certamente sofrerá efeitos macroeconômicos perversos derivados da atual situação do mercado internacional do petróleo e dos preços baixos, sendo os principais resultantes da redução: i) do valor das exportações; ii) da arrecadação de royalties e demais participações governamentais e iii) do nível de investimentos.

A partir de agora, além da urgência para a elaboração de planos coordenados de saída da crise global de saúde, todos os setores da economia passarão por uma fase de recomposição patrimonial, política, institucional e regulatória. Num setor tão relevante como o setor energético, a necessidade de coordenação dos agentes econômicos e das instituições, que deveria estar sempre no topo da agenda de política energética, torna-se indispensável para poder sinalizar as trilhas a serem adotadas, e aquelas a serem descartadas, por empresas e consumidores. A qualidade da ação do Estado, no exercício efetivo deste tipo de coordenação, nunca foi tão crucial para a garantia da segurança do abastecimento de energia no curto, médio e longo prazos.


[1] Ver, por exemplo, o texto publicado no Blog Infopetro em 03/05/2017  As dificuldades do acordo dos países produtores e a nova posição brasileira no mercado internacional do petróleo

[2] Segundo o jornal Valor Econômico, de 27/3/2020, em matéria de André Ramalho e Rodrigo Polito “Petrobras se prepara para barril a US$ 25: Empresa faz corte de 29% nos investimentos e promete reduzir gastos para aumentar competitividade”

 link https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/03/27/petrobras-se-prepara-para-barril-a-us-25.ghtml .

[3] Ver, por exemplo, o pronunciamento o CEOO da Total, Patrick Pouyanné em  https://www.total.com/en/media/video/message-from-patrick-pouyanne-march-2020

[4] Segundo o jornal Valor Econômico, de 25/3/2020, em matéria de André Ramalho e Rodrigo Polito “Ao menos nove petroleiras que atuam no Brasil anunciaram, desde a semana passada, cortes nos investimentos e gastos. A lista inclui gigantes como a Shell, Total e Chevron; a Ecopetrol e Murphy Oil; e pequenas e médias companhias como a Geopark, Premier Oil, Maha Energy e a brasileira PetroRio. A consultoria Wood Mackenzie estima que os gastos globais do setor de exploração e produção podem cair mais de 25% em 2020.”

link https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/03/25/petroleo-barato-poe-em-xeque-exploracao-no-pais.ghtml ou as ferramentas oferecidas na página.

Leia outros textos de Helder Queiroz no Blog Infopetro

  1. Os países produtores de petróleo deveriam ter comissões para gerenciar uma iniciativa de investimentos financeiros advindos dos negócios feitos sobre o petróleo para ações de pesquisa e desenvolvimento de meios de consumo alternativos para o próprio petróleo. O bioma do mundo agradece. Esse vídeo aqui fala sobre isso e mostra um ponto de vista diferenciado sobre o assunto:

  2. […] (1) – Pinto Jr, H.Q. (2020), “O Mercado de Petróleo em 2020: incerteza, volatilidade e tentativas de adaptação” https://infopetro.wordpress.com/2020/03/28/o-mercado-de-petroleo-em-2020-incerteza-volatilidade-e-te…  […]

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