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Dos fósseis aos renováveis: a difícil transição energética

In energia on 18/07/2011 at 00:10

Por Ronaldo Bicalho

A construção de uma política energética, que administre a difícil passagem de uma economia baseada nos combustíveis fósseis para uma economia de baixo carbono, não é uma tarefa fácil.

A massiva substituição dos combustíveis fósseis pelas fontes de energia renováveis envolve mudanças tecnológicas, econômicas e institucionais significativas. Essas mudanças transcendem o setor energético e abarcam temas que dizem respeito a um conjunto de valores associados ao papel crucial da energia no desenvolvimento econômico e no bem estar social e à relação com os recursos naturais e o meio ambiente derivada, justamente, dessa crucialidade.

A compatibilização entre os imperativos da segurança energética e os da mudança climática, mediante o recurso à penalização dos combustíveis fósseis e ao incentivo às renováveis, tem-se demonstrado na prática muito mais complexa do que o imaginado inicialmente.

A idéia de reunir o melhor dos dois mundos – a autossuficiência e a baixa emissão, o aumento da segurança energética e o combate aos fatores geradores da mudança climática – em torno da ampliação das fontes renováveis na matriz energética vem encontrando dificuldades tecnológicas, econômicas e político-institucionais crescentes.

A primeira dificuldade é tecnológica e diz respeito à necessidade de que haja avanços significativos nas tecnologias renováveis para que elas possam competir de fato com as tecnologias tradicionais. Esses avanços referem-se à superação dos problemas associados às baixas estocabilidade, densidade e escala, características do atual estágio de desenvolvimento das renováveis.

O problema principal aqui é que é baixa a probabilidade de que estejamos no limiar de rupturas tecnológicas radicais nessa área, que impliquem em um desenvolvimento em escala massiva de fontes de energia limpas e baratas.

Na verdade, o desenvolvimento de novas tecnologias energéticas limpas tem-se demonstrado muito difícil e caro, o que faz com que muitos especialistas considerem que sem o apoio continuado dos subsídios e incentivos governamentais, essas tecnologias terão um impacto muito pequeno no mix energético.

Dessa maneira, deve ser encarada com certo cuidado a concepção de que o avanço tecnológico esteja às portas de tornar as renováveis competitivas na geração de eletricidade, ou de produzir uma bateria que faça com que o veículo elétrico seja capaz de competir de igual para igual com o carro a gasolina tanto em termos de preço quanto de autonomia.

Não se deve esquecer que a grande vantagem das fontes fósseis é a sua flexibilidade; ou seja, a sua capacidade de fornecer a quantidade de energia desejada, no momento desejado e no local desejado. Essa “liquidez” energética, que garante a elevada certeza do acesso imediato a um “poder energético”, quer seja em termos de calor ou de trabalho, sem “restrição” temporal ou espacial, advém, justamente, da estocabilidade e densidade elevadas, intrínsecas a essas fontes.

O grande desafio das fontes renováveis é exatamente a construção dessa flexibilidade, dessa liquidez, de tal forma a permitir a substituição em grande escala dos combustíveis fósseis sem a alteração do padrão de consumo de energia tradicional.

Na medida em que essa substituição hoje não se sustenta tecnologicamente, via uma radical redução dos seus custos, a expansão das renováveis passa a depender de mecanismos que as tornem competitivas frente às fontes fósseis.

Esses mecanismos acabam passando, de uma forma ou de outra, pela penalização do uso dos combustíveis fósseis e pelos incentivos ao uso das fontes renováveis.

Dessa forma, o estabelecimento de um preço/custo para as emissões de CO2, na forma de uma taxação ou de um sistema tipo cap-and-trade, surge como uma forma de penalizar o uso dos fósseis.

Essa é uma maneira de elevar o custo da energia derivada dos combustíveis fósseis, de tal forma que as tecnologias mais limpas possam enfrentá-la no mercado em melhores condições do que as atuais.

Por outro lado, pode-se tentar despejar pesados incentivos à expansão dos renováveis mediante o recurso a mecanismos fiscais e financeiros que por outras vias acabam construindo a competitividade que se deseja para essas fontes.

Contudo, tanto em um caso quanto no outro, trata-se de uma competitividade construída institucionalmente pelo Estado. O que coloca a política energética no centro da dinâmica de evolução do setor energético no início deste milênio.

Essa evolução passa a depender das escolhas sobre quais serão as fontes, os setores, os agentes econômicos e os atores políticos que serão penalizados e quais serão aqueles que serão incentivados por essas mesmas escolhas.

Note-se que a questão fundamental não é a substituição das fontes fósseis pelas renováveis, mas a transição entre elas, tanto no que concerne à sua duração quanto ao seu conteúdo.

A duração e o conteúdo da transição são essenciais porque eles definem a quantidade de recursos que será desembolsada pelo consumidor e/ou pelo contribuinte durante esse processo.

É evidente que quanto maior for essa quantidade, maiores serão os impactos tanto sobre a competitividade e o acesso à energia quanto sobre as contas dos governos.

Nesse caso, a busca de uma fonte de energia, que possa desempenhar o papel de ponte entre a situação atual e o futuro desejado, surge como uma maneira de administrar os custos da transição.

A escolha alemã pela energia nuclear, antes de Fukushima, e a aparente inclinação atual dos americanos pelo gás natural não convencional vão nessa direção da busca pela fonte de transição. Que pode ser uma fonte de emissão zero, como é o caso do nuclear, ou uma fonte com uma taxa de emissão mais baixa do que aquelas apresentadas pelo carvão e pelos derivados de petróleo, como é o caso do gás natural.

O recente recuo alemão, com o descarte do nuclear, pode apontar na direção da transição direta, com a radicalização do processo de mudança, que se, por um lado, reduz a duração desse processo, por outro, aumenta os seus custos e a sua incerteza. Esse aumento tem colocado dúvidas sobre as reais intenções e sustentabilidade econômica e política da proposta alemã. Principalmente, quando se contempla a crise européia.

Nesse sentido, o atual quadro de crise econômica e fiscal dos países desenvolvidos deve se tornar o maior obstáculo a implementação de uma agressiva política energética de ampliação massiva das fontes renováveis na matriz energética; principalmente, devido aos elevados custos associados a essa implementação.

No entanto, não existe uma forma única de se encarar esse quadro. Se um observador mirar a posição européia a partir de Bruxelas poderá chegar a conclusão de que os europeus estão dispostos a pagar todos os custos, quaisquer que eles sejam, relacionados ao cambio para uma economia de baixo carbono. De outra feita, se esse mesmo observador olhar para a posição da maioria republicana na Câmara dos Deputados chegará a conclusão de que os americanos não estão dispostos a pagar nenhum dos custos desse câmbio.

É evidente que tanto Bruxelas quanto os republicanos não podem ser considerados como sínteses das posições européias e americanas. Até porque é muito difícil falar em termos de posições sínteses que representem algum tipo de convergência atual em torno desses temas. Contudo, essas posições sintetizam as fortes dificuldades encontradas quando se busca construir uma convergência entre as políticas energéticas e ambientais no âmbito mundial. Convergência esta imprescindível para enfrentar a natureza global dos problemas relacionados à mudança climática.

Dessa maneira, considerar que no contexto atual não existem restrições tecnológicas e econômicas à passada dos fósseis para os renováveis, bastando simplesmente a vontade política de fazê-la, é a maneira mais certeira de inviabilizar qualquer política que pretenda justamente fazer essa passada de forma consistente econômica, tecnológica e institucionalmente.

Deve-se ter claro que as restrições tecnológicas e econômicas tornam a ampliação significativa da participação das fontes renováveis na matriz energética um objetivo que só pode ser alcançado hoje mediante a forte intervenção do Estado, utilizando-se de mecanismos de penalizações e incentivos que rebatem fortemente em custos e subsídios, que geram constrangimentos à competitividade e ao equilíbrio fiscal.

Abstrair essas restrições e esses constrangimentos é falsear o debate e se afastar de uma solução que seja, de fato, politicamente sustentável.

Não é apenas a ignorância dos efeitos da mudança climática que torna difícil a transição para uma economia de baixo carbono, a ignorância dos custos reais dessa transição também torna difícil a definição de uma política consistente que administre esse processo difícil e extremamente complexo em termos tecnológico, econômico e político.

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  1. Investir maciçamente em captura eficiente de carbono, cria o fôlego / o tempo necessário para o desenvolvimento de tecnologias economicamente viáveis de geração de energia a partir de recursos renováveis, além da possibilidade de planejamento da substituição tecnológica com impactos ecnômicos administrávies.
    Um primeiro passo para viabilizar isto, seria caminhar para um modelo centralizado de geração de energia por combustíveis fosséis, garantindo desta forma captura CO2 de forma eficiente. Começando pela substituição da frota de veículos atual por modelos híbridos e posteriormente totalmente elétricos.

  2. Bacana o estudo mas o mesmo considera apenas uma estrutura energética pré construida sob as bases de um modelo economico que não se sustenta e portanto é falho neste ponto. A questão das energias renováveis não passa por uma analise onde a ciencia economica é colocada como lei pois esta ciencia economica foi construida com base nos recursos fósseis e nas teorias de seus cientistas muito bem preparados e contratados. A mudança para a economia renovável exige uma reestruturação radicao e portanto a pior passagem do artigo é considerar que sustentabildiade quer dizer substituição em grande escala dos combustíveis fósseis sem a alteração do padrão de consumo de energia tradicional.: o grande problema é exatamente o padrão de consumo tradicional e a colocação do PIB como indicar de desenvolvimento das nações. O processo é complexo mas a construção da sustentabilidade deve preceder ao modelo atual insustentável criado e imposto pelo setor fóssil e mais, muitas tecnologias renováveis já poderiam ser amplamente utilizadas: carros limpos, energia solar abundantemente, ventos, etc.. todas estas tecnologias com o devido reconhecimento dos governos já teriam se posicionado muito bem na estrutura energética mundial e brasileira. O que é complexo aqui é demonstrar a quem está no poder economico e politico atualmente utilizado e financiado pela economica fóssil megalomaniaca que a prosperidade do ser humano é que deve ser meta da politica das nações e existe prosperidade sem crescimento nos modelos atuais.

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  5. Sem entrar no mérito do tipo de modelo econômico (o atual capitalismo de mercado em que vivemos, e que o autor do texto assume como premissa dada e fora de questão; ou o desejado pelo Jonas, que parece representar o não-desenvolvimentismo defendido pelos ambientalistas), confesso que estou confuso.
    De acordo com o resultado do Leilão de Energia A-3 / 2011, o preço médio negociado da energia eólica ficou em 99,58 R$/MWh, ainda acima dos 77,97 R$/MWh de Belo Monte, mas igual, por exemplo, ao único projeto hidroelétrico vendido no mesmo leilão.
    Aparentemente, o mercado de energia eólica parece ser bastante dinâmico, onde, havendo interesse – portanto, concorrência – o preço cai. Basta comparar o preço médio do leilão acima mencionado com um ocorrido em 2010, que ficou em 130,86 R$/MWh.
    Esses dados parecem relativizar um pouco a impressão passada pelo artigo de que estas fontes alternativas ainda estão muito longe de serem viáveis.

    • Prezado Gustavo,

      Depois deste texto eu escrevi aqui no blog mais dois:

      Redução das emissões de CO2: distribuindo custos e sacrifícios

      Segurança energética e mudança climática: a difícil convergência

      Esses textos buscam deixar mais claro as dificuldades das opções atuais.

      Nesse contexto, a mudança do modelo econômico não está fora de questão, mas a sua implementação envolve uma mobilização significativa de recursos. A questão aqui é ressaltar que todas as opções têm custos e envolvem sacrifícios.

      Acredito que o importante é ter clareza sobre esses custos e esses sacrifícios. A partir daí as escolhas resultam daquilo que cada sociedade quer para si. Da visão do mundo que cada uma acalenta.

      O máximo que eu posso fazer é colocar na mesa as opções, dando o máximo de informação que eu puder, contudo, quem escolhe é a sociedade. Lembrando sempre que as questões essenciais não são técnicas. Não existe um especialista para elas. É preciso escolher e arcar com todos os custos desse ato.

      O objetivo desse conjunto de texto foi chamar a atenção para o quadro extremamente desfavorável às energias renováveis que vem se desenhando desde a crise de 2008 no âmbito global.

      Venho acompanhando diariamente esse debate e os sinais não são nada animadores; principalmente depois do agravamento da crise.

      Assisto preocupado a análises que não incorporaram as mudanças do quadro favorável às renováveis observado até 2008. E seguem apresentando uma tendência que não existe mais.

      Eu penso que se pode afirmar que as renováveis hoje não são competitivas. Isto é tão verdade que o debate central hoje é sobre a manutenção, ou não, dos subsídios a essas fontes. Com aqueles que defendem o uso dessas fontes pleiteando que esses subsídios sejam mantidos e ampliados e reconhecendo que sem isso elas não têm condições de ampliar o seu uso. Em síntese, as renováveis não são competitivas e sem o apoio do Estado elas não são viáveis.

      Para você ter uma idéia há uma semana a Agência Internacional de Energia afirmava que para reduzir a participação dos combustíveis fósseis para 75 % em 2035 era necessária aumentar os subsídios dos atuais 64 bilhões de dólares para 250 bilhões até 2035.

      Nesse contexto, o caso brasileiro aparece como uma situação particular. O que pode desenhar oportunidades para a matriz brasileira, porém, não muda o quadro global que, no caso da mudança climática, é o quadro relevante.

      E mesmo no caso brasileiro é preciso ter cuidado com os resultados dos leilões. Há dúvidas razoáveis sobre a sustentabilidade desses resultados e sobre em que medida eles representam uma clara tendência de redução de custos e competitividade dessas fontes.

      Em suma, é preciso olhar o quadro todo com maior cuidado de tal forma a ter uma idéia melhor sobre as dificuldades que vêm pela frente.

      Ronaldo Bicalho

  6. […] Para uma discussão mais ampla dos desafios e complexidades da transição energética, conferir Bicalho […]

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