Por Marcelo Colomer
É incontestável que as políticas públicas e a atuação da Petrobras desempenharam papel de destaque no desenvolvimento da indústria de gás brasileira. Controlando 93% da produção, 97% da malha de gasodutos e possuindo significantes participações nas empresas locais de distribuição de gás natural e em importantes projetos termoelétricos, a Petrobras não só foi determinante para a rápida expansão da indústria de gás natural no Brasil como também para a definição da estrutura de organização do setor.
Desenvolvido sobre o modelo de “monopólio” [1] estatal, a indústria gasífera brasileira se estruturou à luz dos planos de investimento da Petrobras. Refletindo em algumas ocasiões ações estratégicas da empresa e em outras ações deliberadas de política pública, os investimentos da Petrobras na indústria de gás natural ao longo das últimas décadas consolidaram a estrutura do setor.
Dentro da ótica empresarial, a atuação da Petrobras em todos os segmentos da cadeia produtiva foi a solução encontrada pela empresa para escoar o excesso de produção de gás associado. Em outros termos, a estruturação de um mercado de gás natural mostrava-se essencial no processo de monetização dos campos associados de petróleo garantindo maior rentabilidade das atividades de E&P. Nesse contexto, ao longo das últimas décadas, o mercado de gás natural foi se desenvolvendo com os investimentos da Petrobras em novas unidades de processamento, na infraestrutura de gasodutos, em terminais de importação e na ampliação das redes de distribuição.
A responsabilidade assumida pela Petrobras na estruturação do mercado de gás natural, no entanto, criou a visão de que a empresa deveria se responsabilizar também pela segurança de abastecimento e pela oferta de gás natural a preços competitivo. Nos últimos anos, contudo, o cenário de excesso de oferta se reverteu com o aumento da demanda do setor elétrico de forma que um terço do mercado nacional passou a ser suprido pela importação de GNL de alto custo, gerando impactos significativos no preço de mercado.
A elevação dos preços e a reduzida competição no setor gerou uma série de questionamentos sobre o papel da Petrobras na indústria de gás natural. Nesse sentido, a entrada de novos agentes produtores, a redução do controle da empresa sobre a malha de transporte e a abertura do mercado final têm sido identificadas pelas principais associações de consumidores como mudanças necessárias para aumentar a competição no setor e consequentemente a oferta de gás.
Até recentemente, contudo, a Petrobras e o governo brasileiro mostravam-se relutantes em implementar mudanças significativas na organização da indústria de gás natural. Por parte do governo, a reduzida maturidade da indústria de gás natural no Brasil gerava o temor de que a introdução de maiores pressões competitivas pudesse comprometer os investimentos na expansão da malha de transporte e distribuição. Esse trade off entre investimento e competição é comum em indústrias com características de rede, como a do gás natural, em função dos elevados riscos associados aos investimentos em ativos fixos em sua fase nascente. Por parte da Petrobras, além das pressões políticas, entendia-se que o controle da cadeia seria a melhor forma de garantir a rentabilidade dos investimentos em exploração e produção dos campos com recursos associados.
No entanto, as recentes dificuldades de financiamento enfrentadas pela Petrobras e a mudança no cenário de oferta de gás natural vêm alterando a visão da empresa sobre o negócio de gás natural forçando mudanças nas diretrizes da estatal e do governo. Em junho de 2015, foi divulgado o novo plano de investimento da Petrobras para o período de 2015-2019. Na ocasião foi anunciado um programa de desinvestimento de US$ 15,1 bilhões para o período de 2015/16 e de US$ 42,6 bilhões para 2017/18, envolvendo a reestruturação dos negócios da empresa e a desmobilização de ativos.
Na área de Gás e Energia, a redução dos investimentos planejados no Plano de Negócio 2015/19 em relação ao Plano de Negócios 2014/18 foi de US$ 3,8 bilhões (37%), o que reflete a prioridade dos projetos de exploração e produção de petróleo, em particular os localizados no cluster do pré-sal. Dentro desse contexto, abre-se espaço para a reestruturação da indústria de gás natural a partir da redução do papel da Petrobras dentro da cadeia produtiva.
Em julho de 2015, a empresa anunciou a reorganização patrimonial da Transportadora Associada de Gás Natural (TAG), subsidiária integral da GASPETRO e proprietária dos gasodutos de transporte da Petrobras. O objetivo da estatal brasileira é dividir a TAG em duas empresas, uma que controlará a malha Norte/Nordeste e outra que será responsável pela malha Sul/Sudeste, para posterior venda das companhias formadas. A divisão do negócio de transporte da Petrobras tem por objetivo garantir a empresa o melhor retorno com a venda dos ativos e evitar a formação de um monopólio privado no segmento de transporte de gás natural.
A venda da TAG insere-se declaradamente dentro do programa de desinvestimento supracitado. Acredita-se também que a estatal brasileira deseje reduzir sua participação no segmento de distribuição de gás natural através da venda de parte da GASPETRO. Mesmo no segmento de E&P, a empresa parece reorientar seus esforços para áreas produtoras de petróleo o que se reflete na venda de suas participações em áreas com elevado potencial de produção de gás natural, como por exemplo o campo de Júpiter na bacia de Santos.
A redução do espaço de atuação da Petrobras ao longo da cadeia produtiva do gás natural avança o processo de desverticalização da cadeia iniciado em 1997 com e Lei 9.478. A separação efetiva das figuras de carregador e transportador poderá trazer uma nova dinâmica para a indústria de gás natural. A questão que se coloca é se a indústria de gás natural no Brasil já possui o grau de maturidade suficiente para que a separação acima mencionada não comprometa o ritmo de expansão da malha de dutos no país.
Com a Lei 11.909, os riscos de investimento de novos projetos de gasodutos no país foram passados inteiramente para os carregadores iniciais. A assinatura dos termos de compromisso no momento da chamada pública e a posterior elaboração de contratos firmes de transporte com cláusulas de take-or-pay repassam todo o risco de mercado para os agentes que contratam a capacidade primária de transporte. Em regiões com mercados de gás desenvolvidos, esse risco não tende a ser um problema. Contudo, em regiões afastadas dos centros de consumo e com reduzido ou mesmo inexistente mercado de gás natural, o elevado risco referente aos contratos de transporte pode reduzir o interesse de potenciais carregadores inviabilizando novos projetos de gasodutos.
A separação jurídica entre transportador e carregador já é exigida por lei desde 1997, contudo, o fato da Petrobras (principal carregador de gás natural no Brasil) ter o controle acionário das principais empresas de transporte no Brasil permitiu que o risco de mercado fosse, indiretamente, repartido entre carregador e transportador. A venda da TAG e a efetiva separação das atividades de transporte e carregamento, nesse contexto, traz um adicional de risco para a Petrobras (na figura de carregador) em novos projetos de dutos. Sendo assim, acredita-se que a empresa seja cada vez mais seletiva em sua participação como carregador em novos gasodutos. O problema é que muitos novos projetos de gasodutos só se viabilizarão a partir do interesse da Petrobras em contratar capacidade de transporte.
No caso da venda de participação nas companhias locais de distribuição, a saída da Petrobras do negócio distribuição pode comprometer a capacidade de investimento e a capacidade de operação de algumas empresas estaduais. A Petrobras divide a sociedade com os governos estaduais da maior parte das empresas de distribuição. Em algumas situações, a falta de quadros especializados e a reduzida capacidade de financiamento dos governos locais exige da Petrobras uma atuação mais proativa para garantir a expansão do negócio. Sem o capital financeiro e humano da estatal brasileira, as companhias locais de distribuição terão que se reestruturar para dar continuidade a seus planos de expansão.
Percebe-se que a reestruturação do negócio da Petrobras na indústria de gás natural embora traga animadoras oportunidades para novos agentes estimulando a competição no setor, traz também algumas dúvidas sobre a capacidade de manutenção do ritmo de investimento, principalmente na atividade de transporte, verificado nas últimas décadas. Nesse novo cenário, o papel estruturante desenvolvido pela estatal brasileira se reduz consideravelmente exigindo que o governo brasileiro desenvolva novos instrumentos de planejamento e execução de projetos considerados de interesse nacional, como as parcerias público-privada e a utilização de recursos da CIDE, já previstos na Lei 11.909.
Em suma, sem a definição de uma política clara e estratégica para a indústria de gás natural, o processo de desinvestimento da Petrobras ao invés de trazer efeitos positivos em termos de concorrência e redução de preço pode comprometer seriamente o continuado processo de desenvolvimento da indústria de gás natural verificado nas últimas décadas.
[1] Desde de 1997, a indústria de petróleo e gás natural encontra-se aberta ao investimento privado nacional e estrangeiro. Apesar de juridicamente o setor de gás natural não ser constituído por um monopólio da Petrobras, a empresa vem desempenhando um papel de monopolista di facto em função de sua importância ao longo da cadeia.
Aguardemos os próximos meses para maior definição do cenário.
tomara que agora a empresa fique protegida
[…] A venda da TAG insere-se declaradamente dentro do programa de desinvestimento supracitado. Acredita-se também que a estatal brasileira deseje reduzir sua participação no segmento de distribuição de gás natural através da venda de parte da GASPETRO. Mesmo no segmento de E&P, a empresa parece reorientar seus esforços para áreas produtoras de petróleo o que se reflete na venda de suas participações em áreas com elevado potencial de produção de gás natural, como por exemplo o campo de Júpiter na bacia de Santos. (…) Continua no Blog Infopetro. […]