Grupo de Economia da Energia

O pré-sal e o controle do Estado

In petróleo on 22/11/2010 at 00:15

Por Ronaldo Bicalho

A mudança ora em curso no marco institucional para a exploração do petróleo presente na província do pré-sal contempla uma visão do papel estratégico a ser desempenhado pelo setor petrolífero brasileiro distinta daquela que formatou o marco anterior; tanto no que concerne à nova inserção internacional do país, quanto às próprias condições objetivas de sustentação dessa inserção.

O cerne dessa mudança se concentra  justamente na ampliação do controle estatal sobre a exploração das riquezas do pré-sal, de forma a auferir o máximo de benefícios dessa exploração, sob uma ótica estratégica de longo prazo que transcende os limites da indústria petroleira.

Desse modo, a mudança do marco institucional do setor de petróleo no Brasil não se resume, simplesmente, a uma discussão sobre as vantagens e desvantagens dos regimes de exploração – concessão versus partilha -; das vantagens e desvantagens da participação da Petrobras em todos os consórcios; das vantagens e desvantagens da cessão onerosa e da capitalização da Petrobras; das vantagens e desvantagens da criação de uma nova estatal; e assim por diante.

Na verdade, há um eixo central que estrutura essa mudança institucional que se funda no controle do Estado brasileiro sobre a exploração das riquezas do país. O que está sendo discutido, de fato, é o nível desse controle, os seus custos e os seus benefícios. O que está sendo discutido é qual o nível de soberania que se quer e que se pode exercer sobre essas riquezas. O que está sendo discutido é o país que se quer e o que se está disposto a se fazer para construí-lo.

Portanto, o que se está discutindo é um projeto de desenvolvimento do país calcado no grande potencial de riqueza representado pelo pré-sal. Projeto este que embute uma dada visão de desenvolvimento e do papel estratégico do Estado neste desenvolvimento.

Aqui, não se trata apenas de ampliar a participação do Estado na renda petrolífera, mas de ampliar o controle do Estado sobre o processo de geração dessa renda. Isto implica em aumentar o controle estatal, não só sobre todas as etapas da produção do petróleo, mas também sobre o destino final dado a este petróleo e sobre todas as articulações do setor petrolífero com os outros setores industriais e de serviços.

Nesse sentido, a questão fundamental não é simplesmente aumentar os benefícios advindos da renda petrolífera per se, mas maximizar o conjunto de benefícios associado a toda a cadeia petrolífera, incluídos aqueles relacionados à criação de um dinamismo industrial calcado na internalização da produção da chamada indústria parapetrolífera.

O controle exigido para se alcançar essa vasta gama de benefícios envolve um conjunto de mecanismos que possibilite a gestão estratégica de um conjunto de variáveis-chave que inclui: o conhecimento geológico, a capacitação tecnológica na produção em águas profundas, a escolha dos fornecedores, o ritmo de exploração dos recursos e o destino dado à produção.

Nesse contexto, o conflito aparente entre os objetivos de se deter um maior controle e de se obter uma renda maior pelo Estado é resolvido pela introdução de uma visão estratégica acerca da exploração da riqueza do pré-sal. Nesse caso, o importante não é alcançar a maior parcela de renda no curto prazo e, em função disso, sacrificar a parcela necessária do controle para atingir tal objetivo; mas, implementar um controle estratégico da exploração que permita auferir o máximo de benefícios durante todo o tempo em que durar essa exploração.

Portanto, trata-se de controlar aspectos fundamentais da exploração do pré-sal que permitam gerir esse processo sob uma perspectiva estratégica de longo prazo, que, no caso específico, envolve um tempo que abarca distintas gerações de brasileiros.

Sob essa visão, o maior controle não implica na redução dos benefícios obtidos pelo Estado; pelo contrário, é justamente o maior controle por parte do Estado que viabiliza a maior obtenção desses benefícios no longo prazo. Em outras palavras, trata-se de se contrapor a uma visão de curto prazo, que privilegia a maior obtenção de renda hoje, uma visão de longo prazo que, mesmo sacrificando ganhos aparentes no presente, possibilite auferir de forma sustentável ganhos mais significativos no futuro.

Essa concepção estratégica, de longo prazo, marcada pela busca da ampliação do controle do Estado, se manifesta em alguns mecanismos e organizações que estruturam o novo marco institucional proposto. Vejamos os mais importantes:

A mudança do regime de concessão para partilha.

No regime de concessão o controle da produção e do petróleo extraído pertence à empresa que detém a concessão. No caso do regime de partilha, esse controle e essa propriedade passam a ter uma interveniência muito maior do Estado.

No novo modelo, a União participará diretamente das decisões de cada projeto de exploração e terá a propriedade de parte significativa do petróleo produzido.

Essa participação governamental se dará diretamente no âmbito do Comitê Operacional específico a cada projeto. Caberá a esse comitê administrar o consórcio que detém o direito de explorar cada jazida; definindo os planos de exploração e de avaliação das descobertas; declarando a comercialidade de cada jazida e indicando o plano de desenvolvimento; e definindo os programas anuais de trabalho e produção, os termos de unitização, etc.

O controle dos Comitês Operacionais ficará a cargo do Governo, que indicará a metade dos seus membros e mais o seu presidente, tendo direito a um voto de qualidade e poder de veto nas decisões.

Portanto, o controle do Estado sobre a produção passa a ocorrer no lócus central das decisões; ou seja, no Comitê Operacional. Logo, a mudança do regime não visa apenas uma maior participação do Estado na renda petrolífera em função da redução do risco exploratório, mas controlar as decisões de produção que irão gerar essa renda.

Por isso, a afirmação de que o regime de concessão, com pequenas alterações, poderia alcançar os mesmos objetivos carece de fundamentação. Se a questão se resumisse a parcela da renda apropriada pelo Estado, essa afirmação mereceria alguma consideração; contudo, se o objetivo pretendido é o controle do processo de geração dessa renda, essa afirmação não se sustenta.

A Petrobras como única operadora do pré-sal

Como operadora, a Petrobras irá conduzir as atividades de exploração e produção, providenciando os recursos humanos e materiais para a execução das atividades. Além de ter acesso à informação estratégica, a Petrobras terá controle sobre a produção e os custos e sobre o desenvolvimento da tecnologia e das relações com os fornecedores de máquinas, equipamentos e serviços.

Dessa forma, todo o processo de aquisição de conhecimento geológico, aprendizagem tecnológica e industrial envolvendo o pré-sal passa a ser controlado pela Petrobras.

Nesse sentido, a participação da Petrobras de 30 % em todos os consórcios surge como uma contrapartida da empresa, em termos do seu comprometimento com as atividades de exploração e produção, ao exercício da exclusividade na função de operadora no pré-sal.

A questão-chave aqui para o exercício do controle do Estado sobre o pré-sal não são os 30 %, mas a exclusividade da Petrobras como operadora nesta área de exploração.

A Petro-sal

Diferentemente do que imaginam alguns analistas, a “Petro-sal” (na verdade, Pré-Sal Petróleo S.A) joga um papel-chave nos mecanismos de controle do Estado proposto pelo Governo.

A “Petro-sal” irá representar os interesses da união nos contratos de partilha de produção e estará presente nos Comitês Operacionais que definirão as atividades dos consórcios, com direito a voto de qualidade e poder de veto nas decisões; estando representada nesses comitês através de metade dos seus membros mais o presidente.

Entre suas principais atribuições estarão a representação dos interesses da união nos contratos de partilha de produção, o monitoramento e a auditagem dos custos e investimentos nos contratos de partilha e a gestão dos contratos para a comercialização do petróleo da União.

Dessa forma, a natureza do controle do Estado muda radicalmente com a criação dessa empresal. No regime histórico de monopólio, a União transferia para a Petrobras o exercício do controle da produção, enquanto que no regime de concessão, aplicado a partir de 1998, a União transferia esse controle para as empresas que detinham as concessões obtidas nos leilões.

A partir do novo marco institucional, o Estado passa a exercer o seu controle diretamente no lócus da decisão de produção que é o Comitê operador de cada jazida. Dessa maneira, o Estado pretende ampliar o seu controle direto sobre o conjunto de empresas que exploram o pré-sal; inclusive sobre a própria Petrobras.

A cessão onerosa e a capitalização da Petrobras

A cessão onerosa e a capitalização da Petrobras devem ser analisadas em conjunto. E aqui não se trata apenas de colocar a disposição da Petrobras um volume importante (5 bilhões de barris) de reservas, de baixo risco e produtividade elevada, que pertence à União, mas, de, mediante o processo de capitalização, aumentar a participação da União na composição do capital da Petrobras.

Assim, o Estado brasileiro, por um lado, reforça a posição financeira da sua própria empresa para fazer face aos investimentos necessários à exploração do pré-sal, e, por outro, aumenta a sua participação acionária nesta mesma empresa, canalizando a maior parte dos ganhos possíveis para os cofres federais.

Assim, mais uma vez, a questão da ampliação do controle, como forma de viabilizar o acesso à ampla gama de benefícios advindos da exploração do pré-sal, aparece como o elemento estruturante da proposta de mudança institucional.

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  1. Dr. Ronaldo,
    Obrigado pelos esclarecimentos.

  2. […] sobre o artigo que o Doutor Ronaldo Bicalho publicou recentemente, e se foi correto o meu entendimento, fica […]

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