Grupo de Economia da Energia

O balanço e o futuro da política de conteúdo local no setor de petróleo nacional

In petróleo on 12/10/2016 at 14:39

Por Edmar de Almeida e Luciano Losekann

edmar102016A mudança de governo no Brasil reforçou a discussão sobre revisão da política de conteúdo local do setor de petróleo no Brasil. Esta revisão é talvez a tarefa mais complexa do conjunto de reformas atualmente em curso no setor de exploração e produção (E&P) no país. Por um lado, a redução dos preços do petróleo coloca em questão a atratividade dos investimentos no setor de E&P, levando a uma incessante busca de redução de custos por parte das operadoras. Por outro lado, a cadeia de fornecedores encontra-se em situação de enorme fragilidade com a maior crise que este segmento já enfrentou.

A revisão da política de conteúdo local terá que arbitrar um conflito incontornável entre a atratividade dos investimentos e a proteção da cadeia de fornecedores. Este processo de arbitragem não tem receita pronta. Terá que ser feito necessariamente a partir de uma concertação entre os diferentes grupos de interesse que irá requerer muita negociação, além de estudos para entender melhor o dilema entre atratividade dos investimentos e promoção do conteúdo local.

Alguns estudos que analisaram diferentes dimensões da PCL buscaram identificar elementos para um balanço dos custos e benefícios da PCL nacional. Segundo CLAVIJO (2015), a PCL evoluiu através de um processo de tentativa e erro, sem um procedimento estruturado de avaliação desta política pelo governo. A evolução da política foi resultado do embate de interesses dos principais stakeholders e da constatação de problemas durante o seu processo de implementação.

O autor também aponta que a ausência de uma avaliação formal da PCL pode ser resultado da fragmentação institucional do processo de governança da política, dificultando o surgimento de uma liderança institucional capaz de capitanear o processo formal de avaliação e balanço.

Outro estudo importante foi a auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU, 2012). Nessa auditoria, o TCU concluiu que a ANP apresenta carência de estrutura e capacidade para fiscalizar adequadamente o conjunto de contratos da indústria. A ANP teria demorado na estruturação do sistema de fiscalização dos compromissos de CL, criado somente em 2007, e, por esta razão, várias lições sobre a aplicabilidade da política demoraram a serem aprendidas (TCU, 2012).

Igualmente, o estudo do IBP (2015) demostrou que a grande concentração temporal dos projetos de E&P no Brasil com elevados compromissos de CL, criou uma demanda por equipamentos e serviços também concentrada, cujo atendimento teria exigido um grande investimento no aumento da capacidade produtiva para atender um pico de demanda que não se sustenta no tempo. Nesse sentido, dado que os investimentos no Brasil aumentaram de US$ 10 para US$ 40 bilhões, entre 2006 e 2013, o país deveria ter aumentado sua capacidade de produção em 4 vezes em 7 anos, o que não se mostrava ser algo factível.

A PCL se propôs alcançar objetivos muito abrangentes, estabelecendo metas muito elevadas em todos os segmentos tecnológicos necessários para desenvolver um sistema de produção, em vez de enfocar nos segmentos estratégicos e de maior potencial. Nesse sentido, a falta de seletividade da política impediu uma estratégia de compras voltada para os segmentos mais competitivos ou de maior impacto potencial sobre o desenvolvimento nacional (IBP, 2015).

O estudo realizado por Booz & Co. e coordenado pela ONIP mostrou que a produção local de muitos dos bens e serviços demandados pela indústria apresentava sérios problemas de competitividades em termos de custos, quando relacionados com os preços de outros produtores internacionais (ONIP, 2010). O sobre custo identificado variava com o tipo de equipamento, podendo atingir 70% em alguns produtos da cadeia, como trocadores de calor e flanges. Por esta razão, 76% das empresas focadas em O&G concentrava sua atuação no mercado interno, ou seja, na média, a cadeia fornecedora brasileira não era competitiva para exportações.

Apesar do problema de competitividade, o estudo de ONIP (2010) identificou que o Brasil possui uma capacidade de fornecimento relativamente elevada para equipamentos em diversos segmentos da cadeia, com destaque para equipamentos subsea. Haveria ainda uma capacidade importante de construção naval, mas com problemas de competitividade, em função da excessiva fragmentação do setor em vários estaleiros com pequena escala de produção.

Dessa forma, pode-se afirmar que a PCL teve um impacto efetivo na construção de uma cadeia de fornecimento local, ainda que com custos elevados. O desafio que se coloca para o setor é deixar claro os custos e os benefícios desta política, de forma que se possa avançar em uma estratégia que busque ao mesmo tempo a redução dos custos e a manutenção de uma cadeia fornecedora competitiva no país.

Apesar dos elementos já avançados nos estudos citados acima, é necessário aprofundar a análise dos custos e benefícios da PCL no Brasil para melhor identificar estratégias de aprimoramento da PCL que possam ao mesmo tempo manter ou mesmo aumentar os benefícios conquistados, reduzindo-se os custos para os investimentos em E&P. Ou seja, a partir do reconhecimento dos trade-offs existentes entre os níveis de conteúdo local e a competitividade e o volume dos investimentos, se buscaria promover uma nova trajetória de investimentos que mais que compense, por exemplo, uma redução das exigências de conteúdo local.

Os preços mais elevados dos bens e serviços no Brasil indicam que a ausência da PCL significaria um nível de CL no Brasil muito menor do atualmente obtido. Nesta forma, é importante apontar mais claramente qual parcela das compras nacionais poderia ser competitiva num cenário de ausência da PCL. Esta informação é muito importante para se debater sobre como e quanto se poderia reduzir no nível de exigência e nos custos da PCL.

Apesar de insuficientes, os estudos realizados sobre a PCL no Brasil apontam para um grande espaço de aprimoramento desta política não apenas a partir da sua recalibragem em termos dos benefícios almejados considerando-se os custos envolvidos, mas também em termos dos instrumentos utilizados e tipo de governança e regulação.

Quanto aos instrumentos para promoção do conteúdo local, é fundamental se buscar alternativas que resultem em menor custo de compliance e riscos para projetos de E&P.  Neste sentido, é essencial desenhar e implementar mecanismos que permitam maior flexibilidade nos compromissos de CL. Como uma alternativa ao atual processo, onde a totalidade dos compromissos são estabelecidos e fixados na rodada de licitação, seria importante buscar um modelo com espaço para definir e reorientar os objetivos do CL, em conexão com a preparação do plano de desenvolvimento da produção. Desta forma, as companhias poderiam comprometer-se com metas factíveis, baseadas no melhor conhecimento dos bens e serviços necessários ao projeto e o contexto da cadeia de fornecimento no mercado nacional no momento do investimento. Vale ressaltar que grande parte (80% a 90%) do investimento realizado num projeto de E&P acontece na fase de desenvolvimento.

Ainda no plano dos instrumentos, é importante se avaliar a substituição dos mecanismos de punição para os de incentivos. Uma política baseada em mecanismos de incentivos pode melhorar os efeitos sobre a indústria nacional, encorajando o CL através da bonificação das empresas que excederem compromissos mínimos. A exemplo de outros países, estímulos poderiam ser considerados como instrumento para garantir que as companhias procurem incrementar os níveis de CL, como: (i) vantagens competitivas nas rodadas por blocos de exploração; e (ii) incentivos fiscais compensatórios para permitir o cumprimento e superação das metas estabelecidas. Outro importante ponto é a rediscussão e simplificação das regras de CL, reduzindo a burocracia e os custos de compliance. Neste sentido, uma forma de redução dos custos de compliance é formatar critérios de medição e certificação simplificados para projetos de E&P. A definição de critérios claros para concessão de isenção das multas pela ANP seria uma contribuição nesta direção.

Nesse sentido, é importante destacar o impacto positivo que a implementação do PEDEFOR pode trazer sobre os resultados e viabilidade da política de CL. Além de modificar as normas de conteúdo local para fazê-la sustentável no tempo, o PEDEFOR também pode representar um grande avanço nas condições de governança entre os atores envolvidos, necessária para uma intervenção governamental melhor articulada e mais efetiva no impulso ao desenvolvimento da cadeia local de fornecimento.

Referências:

ALMEIDA, E. e MARTINEZ-PRIETO, D., (2015). “The impact and effectiveness of local content policy on oil exploration and production in Brazil”. Oxford Energy Forum 28–30.

BAIN & COMPANY E TOZZINI FREIRE ADVOGADOS (Ed.), (2009). Regimes jurídico-regulatórios e contratuais de e&p de petróleo e gás natural, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES.

CLAVIJO W (2016). A Política de Conteúdo Local para a Indústria do Petróleo e Gás Natural no Brasil durante o período 2003-2014: uma Análise Aualitativa da sua Evolução. Dissertação de mestrado. Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDUSTRIA (2015). Gás Natural em Terra: uma Agenda para o Desenvolvimento e Modernização do Setor. Brasilia.

FERNANDEZ, E. e MUSSO B. (2011). “Oportunidades e Desafios da Agenda de Competitividade para Construção de uma Política Industrial na Área de Petróleo: Propostas para um Novo Ciclo de Desenvolvimento Industrial”. XXIII Fórum Nacional Visão de Brasil Desenvolvido para participar da competição do Século (China, Índia e Brasil). Anais, 2011.

FILGUEIRAS, Raquel (2015). “Políticas de Conteúdo Local e Setor Para-Petroleiro: uma analise comparativa entre Brasil e Noruega”. Dissertação de Mestrado, Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa em Engenharia (COPPE), Universidade Federal de Rio de Janeiro (UFRJ). Rio de Janeiro.

FIRJAN (2015). A Política Brasileira de Conteúdo Local para o Setor Petróleo e Gás Análise e Sugestões de Aperfeiçoamento. Federação das Indústrias do Estado do Rio De Janeiro, Rio de Janeiro.

INSTITUTO BRASILEIRO DE PETRÓLEO (IBP) (2015). Propostas de politicas públicas para o desenvolvimento socioeconômico a partir dos investimentos em exploração e produção offshore. Relatório final. Rio de Janeiro.

MARTINEZ-PRIETO, D. (2014). “A política de conteúdo local e as decisões de investimento no Brasil”. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.

OLIVEIRA, A  (2010). “Indústria Para-Petrolífera Brasileira Competitividade, Desafios e Oportunidades”. Universidade Federal do Rio de Janeiro, relatório de pesquisa IE/UFRJ/PROMINP. Rio de Janeiro.

ONIP (2010). Agenda de Competitividade da Cadeia Produtiva de Óleo e Gás Offshore no Brasil. Rio de Janeiro.

ROCHA, Carlos (2015). Recursos naturales como alternativa para la innovación tecnológica: petróleo y gas en Brasil. Coordinación de Estudios para América Latina (CIEPLAN), Santiago.

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIAO (2012).  RELATÓRIO DE AUDITORIA OPERACIONAL. FISCALIZAÇÃO DE CONTEÚDO LOCAL. IDENTIFICAÇÃO DE OPORTUNIDADES DE MELHORIA. DETERMINAÇÕES. RECOMENDAÇÕES. CIÊNCIA AOS INTERESSADOS. ARQUIVAMENTO. Disponivel em: < http://portal3.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/imprensa/noticias/noticias_arquivos/ANP%20-%20AC%202815-2012-P.pdf&gt; consulta em: 06/08/2016.

Leia outros textos de Luciano Losekann no Blog Infopetro

Leia outros textos de Edmar de Almeida no Blog Infopetro

Deixe um comentário