Grupo de Economia da Energia

O futuro dos biocombustiveis VII – qual o papel do Brasil?

In biocombustíveis on 09/05/2011 at 00:10

Por José Vitor Bomtempo

Na postagem anterior, discutimos a estratégia da Petrobras, sem dúvida o ator mais importante no futuro da energia no Brasil. Vimos que se pode depreender das iniciativas da empresa uma postura de participação efetiva na indústria de biocombustíveis. Mas essa participação parece se dar dentro de uma visão comprometida mais com a indústria de hoje – dita de primeira geração – do que com a indústria do futuro – dita de biocombustíveis avançados e outros bioprodutos.

Essa perspectiva é reforçada ao se comparar a Petrobras com outras grandes empresas de petróleo, como a Shell, BP, por exemplo (ver as postagens anteriores; o futuro dos biocombustíveis IV e V), que combinam um posicionamento na indústria atual com uma estratégia de construção da nova indústria. Outra empresa de petróleo que tem reforçado de forma interessante sua participação nos biocombustíveis do futuro é a Total. Voltaremos ao caso da Total na próxima postagem. A questão hoje é examinar o papel do Brasil na indústria do futuro e para isso devemos examinar bem mais do que o papel da Petrobras.

O lançamento recente do PAISS – Plano Conjunto BNDES-FINEP de Apoio à Inovação Tecnológica Industrial dos Setores Sucroenergético e Sucroquímico – e, ao mesmo tempo, o intenso movimento de chegada ao Brasil de empresas estrangeiras interessadas em investir em biocombustiveis avançados são dois pontos que podem servir à discussão: qual o papel do país na indústria do futuro?

Pode-se dizer que em certa medida o futuro dos biocombustíveis avançados se joga hoje no Brasil. Quem são os jogadores? Tipicamente, são as startups americanas – empresas de base tecnológica – apoiadas de modo geral por grandes empresas de petróleo. Talvez o mais interessante desses jogos seja entre Amyris – Total “contra” Shell/Cosan-Iogen-Codexis-Virent.

Outras presenças anunciadas podem ser Butamax (projeto BP-Dupont para biobutanol) e Solazyme, entre outras menos presentes na mídia especializada. Todas essas empresas vieram em busca, em primeiro lugar, de um recurso crítico para seus projetos: açúcares de baixo custo, reforçando a idéia de que a cana de açúcar é muito mais importante (quando se fala em indústria do futuro) do que o etanol.

Existem unidades de pesquisa e demonstração instaladas e instalando-se no Brasil e a produção comercial, pelo menos enquanto os açúcares celulósicos não estiverem disponíveis a custo competitivo em outros países, tende a se localizar também no Brasil, aproveitando, em muitos casos, unidades de produção de etanol já existentes.

Note-se que, exceto o projeto Shell-Iogen de etanol celulósico, todos os outros projetos têm como alvo outros combustíveis avançados, tipo drop in, e produtos químicos (biobased chemicals). Ao mesmo tempo, registrou-se recentemente a interrupção da operação da planta piloto da Dedini de etanol lignocelulósico ao lado de uma manifestação, vinda do CTC, de que o etanol de segunda geração patinava no Brasil por falta de apoio governamental.

Não se pode esquecer, como contraponto positivo do lado brasileiro, o sucesso da Braskem com o biopolietileno, baseado em etanol, que parece abrir para a empresa oportunidades interessantes na química baseada em matérias primas renováveis. Nesse ambiente, coloca-se o PAISS, plano conjunto BNDES – FINEP.

O PAISS, lançado em 17 de março e atualmente aberto para submissão de cartas de interesse das empresas que desejam se candidatar aos  financiamentos oferecidos, se propõe a aplicar R$ 1 bilhão de reais, distribuídos em RS$ 250 milhões anuais, durante 4 anos, em 3 linhas temáticas consideradas inovadoras. As linhas temáticas são: Bioetanol de 2ª geração, Novos produtos de cana de açúcar e Gaseificação. Serão selecionados no máximo 5 projetos por linha temática. As formas de apoio são variadas e reúnem os instrumentos habituais do BNDES e da FINEP.

Como o PAISS se coloca diante do desafio de construção da indústria de biocombustíveis e bioprodutos do futuro? O primeiro ponto positivo é o reconhecimento explícito de que o futuro é maior do que o etanol. Mesmo que uma das linhas temáticas seja dedicada ao etanol, deve ser destacado que o detalhamento da linha identifica pelo menos 3 sub-linhas, entre as 5 a serem contempladas, que representam conhecimentos de base para o aproveitamento integral da cana de açúcar de um modo geral: coleta e transporte de palha, pré-tratamento de biomassa e produção de enzimas/processos de hidrólise.

Em relação aos Novos produtos de cana açúcar, o plano é mais vago, limitando-se a mencionar que devem ser produzidos por meio de processos biotecnológicos – o que pode ter sido uma restrição excessiva na atual fase da indústria em que as alternativas tecnológicas são ainda muito variadas e em competição entre si (ver O Futuro dos Biocombustíveis III).

A terceira linha temática – Gaseificação – parece supervalorizar essa alternativa tecnológica tanto pela sua situação no cenário internacional quanto brasileiro. Poderia se entender melhor um apoio à rota termoquímica se a visão fosse mais ampla – outras matérias primas além da cana de açúcar, como residuos agrícolas e florestais e lixo, por exemplo, e também outras alternativas tecnológicas além da gaseificação como a pirólise para a produção de bio-óleo.

Quanto às formas de aplicação de recursos, o PAISS oferece as alternativas existentes atualmente nas plataformas BNDES e FINEP, o que pode permitir uma razoável flexibilidade para adaptação aos diferentes casos que venham a surgir.

O que dizer dos volumes de recursos a serem aplicados? Tomemos alguns parâmetros de comparação: a indústria movimentou cerca de US$ 650 milhões em venture capital nos EUA em 2010, o DOE Biomass Program investiu US$ 217 milhões em 2009, nas IPO recentes foram levantados US$ 107 milhões pela Gevo e US$ 78 milhões pela Codexis, a entrada da Total no capital da Amyris, com 17% de participação, custou US$ 133 milhões,  uma unidade de demonstração de etanol lignocelulósico custa em torno de US$ 50 milhões.

Considerando os parâmetros acima, o volume de recursos a serem investidos pelo PAISS (R$ 250 milhões anuais, isto é, cerca de US$ 150 milhões) pode ser considerado expressivo como primeira iniciativa efetiva de financiar a evolução tecnológica da indústria.

Resta esperar que as empresas se habilitem com bons projetos, que os recursos encontrem tomadores de boa qualidade, que surjam novos players além dos citados nesse artigo e principalmente que o programa também evolua na sua visão da indústria do futuro.

Em primeiro lugar, que a continuidade possa ser assegurada. Quatro anos é um prazo muito curto para a construção de uma nova indústria. Lembre-se que a BP está investindo US$ 50 milhões por ano, durante 10 anos, para estruturar apenas um centro de pesquisa em bioenergia, o EBI. Em segundo lugar, que o programa aprenda com o processo e também inove nos mecanismos de apoio e principalmente nas formas de coordenação dos processos. Afinal, além de tecnologia, existe um grande aprendizado (no mundo todo) na busca de inovações na própria forma de inovar. Dessa forma, será possível esperar que a contribuição brasileira à nova indústria seja mais do que ser a fonte eficiente de açúcar.

Postagens relacionadas:

O futuro dos biocombustiveis VI: a estratégia da Petrobras

O futuro dos biocombustíveis V: as estratégias de Shell e BP

O futuro dos biocombustíveis IV: a posição brasileira

O futuro dos biocombustíveis III: O processo de inovação que está construindo a indústria do futuro

O futuro dos biocombustíveis II: Por que a indústria de biocombustíveis do futuro será diferente da que conhecemos hoje?

O futuro dos biocombustíveis

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