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A crise da indústria venezuelana de petróleo

In petróleo on 13/09/2017 at 10:52

Por William Adrian Clavijo Vitto

willian092017A trajetória recente da indústria venezuelana de petróleo tem se convertido em um dos temas de maior preocupação do setor. Em um país como a Venezuela, onde a indústria petrolífera possui uma participação de quase 30% do PIB nacional, o declínio abrupto da produção neste contexto de preços baixos levou o país a uma crise econômica e social sem precedentes na sua história. Entretanto, para entender a crise da indústria petrolífera venezuelana é necessário abordar o conjunto de transformações no arcabouço regulatório do setor e na gestão da indústria ao longo da década de 2000.

1.  As reformas da década de 2000

A gênese desse processo começou no final da década de 1990, quando a chegada de Hugo Chavez na presidência originou uma mudança na gestão da indústria petrolífera nacional. A partir da Lei Orgânica de Hidrocarbonetos Gasosos (LOHG) de 1999 e a Lei de Hidrocarbonetos Líquidos (LOH) de 2001, o governo entrante estabeleceu um novo marco regulatório reservando para o Estado o controle da atividade petroleira e a totalidade das ações da empresa Petróleos de Venezuela S.A. (VENEZUELA, 1999). Dessa forma, o Estado aumentou expressivamente sua participação nas atividades de E&P para cerca de 70% e estabeleceu metas ambiciosas de aumento da produção nacionalFOOTNOTE: Footnote (TOLMASQUIM e PINTO JUNIOR, 2001; SANTOS, 2015) .

Visando aumentar sua projeção sobre América Central e Caribe, em 2005 o governo lançou a Petrocaribe, uma iniciativa voltada para a venda de petróleo venezuelano a preços preferenciais para os países membros da aliança, além do financiamento de projetos de infraestrutura energética na região (GRANMA, 2017).

No ano de 2006, o governo nacional começou o processo de migração dos contratos sob a modalidade de convênios operativos, que tinham sido estabelecidos na década de 90, para os contratos de empresas mistas com maioria acionária do Estado venezuelano, tal como estabelecido na lei 2001.

A partir de 2008, a Venezuela começou um processo de aprofundamento das relações com a China, que, além de se inserir como um grande consumidor, também passou a agir no mercado internacional através de programas de financiamento para países em desenvolvimento em troca do acesso de empresas nacionais nas operações de E&P e a garantia de fornecimento de petróleo. Desde 2007, os bancos estaduais da China emprestaram à Venezuela US$ 60 bilhões para serem ressarcidos em óleo – acordos oil for loan (INTERAMERICAN DIALOGE, 2016).

Em 2009, o governo da Venezuela estatizou parte das empresas prestadoras de serviços para a indústria de P&G, em uma tentativa de capacitar a PDVSA para desenvolver suas próprias filiais fornecedoras capazes de prestar serviços para a indústria venezuelana e para os demais países da América Latina (PRODAVINCI, 2016).

Finalmente, em 2013, o conjunto de mudanças regulatórias foi completado com a promulgação da Lei de Contribuição Especial por Preços Extraordinários e Preços Exorbitantes no mercado internacional de hidrocarbonetos. Dito instrumento facultou ao Estado cobrar uma alíquota às empresas operadoras quando o preço do mercado internacional fosse superior ao preço estabelecido no orçamento público anual. No ano seguinte, a mesma lei sofreu modificações nos valores estabelecidos para o cálculo da alíquota por preços extraordinários e exorbitantes (VENEZUELA, 2013). Nessas condições, a Venezuela culminou o período do boom das commodities.

2. Venezuela após o boom das commodities

No segundo semestre de 2014, a queda dos preços do petróleo deixou em evidência uma indústria atravessando sérias dificuldades financeiras e operacionais com efeitos sumamente preocupantes sobre o equilíbrio das finanças públicas e a estabilidade do país. No lançamento da primeira versão do plano “Siembra Petrolera”, no ano de 2005, a meta era alavancar a produção para 5,84 MB/d. No entanto, segundo dados da OPEP, entre 2001 e 2016, o país experimentou uma queda da produção de 672.000 barris, sendo que 30% dessa queda – 275.000 segundo dados das comunicações diretas com a OPEP – ocorreu somente no passo de 2015 a 2016 (OPEP, 2016).

Gráfico 1. Evolução da produção venezuelana de petróleo, segundo fontes da OPEP

Fonte: OPEP

As causas da queda da produção durante o período selecionado pode-se encontrar em três fatores fundamentais: a perda de capacidades técnicas da empresa estatal após as demissões massivas em 2003, a queda da presença de empresas prestadoras de serviços, e o baixo nível de investimentos em exploração e produção (MONALDI, 2015; SANTOS, 2016). Entre 2006 e 2015, a PDVSA multiplicou sua dívida financeira por quinze. No entanto, esse endividamento foi direcionado, principalmente, para financiar o gasto social do governo e não se traduziu em um aumento dos investimentos em exploração e produção (MONALDI, 2015)FOOTNOTE: Footnote (ver gráfico 2).

Gráfico 2. PDVSA: Evolução dos investimentos em E&P vs. Dívida Financeira

Fonte: Elaboração própria a partir de Santos, 2015

Entre 2014 e 2015, a participação das empresas mistas na produção nacional de petróleo passou de 37% a 40%. Nesse mesmo período, a correlação da produção entre petróleo leve e petróleo pesado também sofreu uma mudança. A produção de leves caiu em 83.000 b/d, trazendo importantes consequências sobre a capacidade de processamento do petróleo pesado (MINPET, 2014 apud. PALACIOS, 2016).

O aumento da participação do petróleo pesado na cesta de produção venezuelana no contexto de preços baixos, também passou a afetar a viabilidade de alguns projetos e as receitas do Estado. Num nível de preços médio de 2015, os custos de produção de vários projetos, principalmente da faixa petrolífera do Orinoco, ficaram fora de qualquer viabilidade econômica. Nos casos mais extremos, o break even por barril em projetos como Petrowarao, Petrojunin, Petrocarabobo e Petroindependencia são inviáveis mesmo excluindo o pagamento dos impostos contemplados no regime fiscal venezuelano.

Gráfico 3. Break even por reservatório petroleiro: antes e depois do pagamento de impostos

Fonte: Wood Mackenzie

Nessas condições, a PDVSA também passou a apresentar um sério problema de estrangulamento para financiar por si só a recuperação dos níveis de produção perdidos. Segundo o balanço financeiro de 2015, publicado pela estatal em julho de 2016, a empresa apresentou um declínio anual das receitas totais de 40% e uma perda operacional de US$ 3 bilhões em suas operações globais. Para 2016, as receitas estimadas decorrentes das exportações da PDVSA foram calculadas em US$ 30 bilhões. Entretanto, considerando que 94% dos ingressos de divisa ao país decorrem das exportações de petróleo, é necessário assumir que a grande quantidade desses recursos seja utilizada para cumprir com o pagamento de dívida da estatal e do governo, calculada em US$ 68 bilhões para final de 2016, sendo que US$9,6 devem ser cancelados durante 2017 (PRODAVINCI, 2017).

A estratégia dos países produtores de petróleo para amortizar a queda dos preços foi aumentar a produção para colocar a maior quantidade de petróleo no mercado internacional. No entanto, a possibilidade da Venezuela maximizar suas receitas a partir das exportações, além de se encontrar limitada pelo declínio da produção, também foi afetada por outros problemas operacionais e pelas decisões de política do governo.

De 2005 a 2015, o número de empregados da PDVSA passou de quase 50.000 para 150.000. Durante esse mesmo período, os custos operativos por barril de petróleo produzido pela empresa quase triplicaram, passando de uma média de US$11 para US$30 (SANTOS, 2016).

No segmento upstream, de acordo com as comunicações da OPEP, em 2010 a capacidade venezuelana de refino era de 1.867,9 mb/d. Entretanto, os problemas de manutenção experimentados pelas refinarias venezuelanas desde 2012 têm provocado problemas operacionais, afetando sua capacidade de refino. De acordo com o Ministério de Petróleo e Minaria, em 2015 o fator de utilização da capacidade de refino foi de 1.3 milhões de b/d, ao redor de 67% da capacidade total (PALACIOS, 2016).

Em março de 2016, mais da metade dos terminais de carga do complexo de Jose se encontravam inoperativos (PALACIOS, 2016)FOOTNOTE: Footnote. Adicionalmente, a partir de 2014 a queda da produção de petróleo leve fez com que a PDVSA e as suas empresas associadas importassem esse tipo de petróleo para ser utilizado nos procedimentos para o transporte e o processamento do óleo pesado da faixa petrolífera do Orinoco (PARRAGA, 2014).

No plano interno, outro fator que impede a Venezuela de colocar mais petróleo nos mercados internacionais é o consumo doméstico de combustíveis fósseis. Em 2015, pouco mais de 550.000 barris diários de petróleo foram dirigidos para o consumo interno, cerca de 200.000 barris a menos do que em 2013 (MONALDI, 2015). A queda do consumo doméstico pode ser explicada pelo aumento do preço da gasolina realizado em 2016 e pela redução da oferta em quase 100.000 barris realizada também no ano anterior, visando colocar mais petróleo no exterior (PALACIOS, 2016).

Outro fator que reduziu a capacidade venezuelana de colocar mais petróleo no mercado são as exportações de petróleo aos países do Petrocaribe. Estima-se que 400.000 barris das exportações venezuelanas de petróleo em 2012 foram a preços preferenciais para países do Petrocaribe (El Economista, 2015). No entanto, as necessidades de financiamento da Venezuela fizeram reduzir as exportações no marco desses acordos em 50% em 2015. Somente no caso cubano, principal beneficiário desse acordo, entre 2015 e 2016, as exportações de óleo cru caíram em 40% (REUTERS, 2016).

Um agravante da redução do poder de mercado venezuelano encontra-se nos compromissos adquiridos com a China e a financeirização dessa dívida. Até o ano de 2015, em decorrência da queda dos preços, os despachos de petróleo passaram de 193.144 b/d para 347.829 b/d entre 2014 e 2015 (ver gráfico 3). Durante 2016, os envios de petróleo para esse país caíram 74.000 b/d em comparação com as exportações de 2015 para fechar o ano em 505.000 b/d, dos quais, ao redor de 30% são destinados para pagar serviço de dívida (ELUNIVERSAL, 2017).

Gráfico 4. Serviço da dívida a China em barris de óleo equivalente diários

Fonte: Santos, 2016.

Para completar o quadro de restrições no mercado internacional, desde o final de 2016 a Venezuela se comprometeu, junto aos seus parceiros da OPEP e outros países produtores de petróleo, a reduzir sua produção em 95.000 b/dia, como parte do acordo para reequilibrar os preços no mercado internacional do petróleo (REUTERS, 2016). Assim, estamos falando de um país com importantes constrangimentos para poder recuperar sua produção e cumprir com seus compromissos de dívida.

Dessa forma, considerando o panorama exposto, pode-se argumentar que a crise da indústria venezuelana de petróleo vai mais além da queda dos preços internacionais do petróleo, deixando em evidência os sérios problemas de gerenciamento experimentados pelo setor nesse país durante mais de uma década. Ao longo do período analisado, foi possível evidenciar que os problemas financeiros da PDVSA não foram resultado de uma escassez de divisas, e sim de uma administração ruim do ingresso petroleiro e da distorção dos objetivos da indústria, tal como foram delineados nas leis de 1999 e 2001. Nesse sentido, o novo marco regulatório instituído com as leis ressaltadas anteriormente, tampouco pode ser apontado como elemento responsável pelo fracasso na gestão da indústria. Por fim, a possibilidade de uma recuperação da produção venezuelana se mostra bastante improvável, dados os problemas do governo e da PDVSA para conseguir novas fontes de financiamento e, mais recentemente, pela proibição dos Estados Unidos de realizar novas emissões de dívida e de bônus no sistema financeiro norte-americano.

Referências bibliográficas

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GRANMA (2017). PETROCARIBE. Disponível em url: http://www.granma.cu/granmad/secciones/petrocaribe/que-es/que-1.html;

MONALDI Francisco (2015).THE IMPACT OF THE DECLINE IN OIL PRICES ON THE ECONOMICS, POLITICS AND OIL INDUSTRY OF VENEZUELA. Columbia on Center Energy Policy;

OPEP (2017). Monthly Oil Market Report;

PALACIOS Luisa (2016). VENEZUELA’S GROWING RISK TO THE OIL MARKET. Columbia on Center Energy Policy;

PARRAGÁ Mariana (2015). Venezolana PDVSA amplía importaciones petroleras con compras a África, Rusia. Disponível em url:http://lta.reuters.com/article/domesticNews/idLTAKCN0RP1PM20150925;

PETROLEOS DE VENEZUELA S.A. (2016). Balance Financiero 2015;

PRODAVINCI (2017). LOS DATOS DE LA DEUDA / La deuda externa: entre la iliquidez y la insolvencia. Disponivel em: http://prodavinci.com/especiales/la-deuda-externa-entre-la-iliquidez-y-la-insolvencia/los-datos-de-la-deuda–la-deuda-externa-entre-la-iliquidez-y-la-insolvencia.html;

ROUTERS (2016). Venezuela ratifica que adoptará recorte de producción crudo para cumplir con acuerdo OPEP. Disponivel em: http://lta.reuters.com/article/businessNews/idLTAKBN14G18U;

SANTOS Miguel (2016). “Bases para el diseño de un programa de reconstrucción nacional”. Disponível em url: https://es.slideshare.net/miguelangelsantos/bases-para-un-programa-de-reconstruccion-nacional;

TOLMASQUIM M. e PINTO JUNIOR H. (2011). Marcos regularios da indústria mundial do petróleo. Editorial Sinergia. Brasil;

URBANEJA, Diego (2007). La Política Venezolana desde 1958 hasta nuestros días. Temas de Formacion Sociopolitica, Funacion Centro Gumilla. Venezuela.

VENEZUELA (1999). Constitucion de la República Bolivariana de Venezuela;

__________ (1999). LeyOrganica de HidrocarburosGaseosos (LOHG);

__________ (2001). LeyOrganica de Hidrocarburos (LOH);

(*) Doutorando do Instituto de Economia da UFRJ.

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